São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Equívocos sobre o endividamento de São Paulo

EDUARDO MAIA

Nos últimos meses, a imprensa tem dado amplo destaque à situação financeira do setor público paulista, responsabilizando equivocadamente o governo Fleury pela magnitude dos desequilíbrios apontados. Com o objetivo de desfazer equívocos, julgo oportuno tecer alguns comentários sobre a natureza desse endividamento.
No final do exercício de 1990, o estoque da dívida global do Estado de São Paulo correspondia a cerca de US$ 18 bilhões, com destaque para US$ 2,7 bilhões junto ao Banespa e à Nossa Caixa e US$ 3 bilhões de títulos da dívida mobiliária.
No final de julho do corrente ano, o estoque situava-se em US$ 31 bilhões, dos quais aproximadamente US$ 9,6 bilhões referentes às instituições financeiras estaduais e US$ 8,4 bilhões de dívida mobiliária.
Como ponto de partida, é preciso destacar que a origem de parcela substancial dessa dívida remonta a governos passados, inclusive do período militar. Foram dívidas que vinham sendo roladas (para não dizer enroladas) e, em alguns casos, se encontravam em situação irregular ou de inadimplência.
Foi do governador Fleury a decisão política e responsável de buscar equacionamento para essas dívidas, o que acabou impondo uma rigidez excessiva aos gastos de investimento e custeio no seu governo.
Outro ponto a ser destacado (e que explica aquela rigidez nos gastos) foi a política econômica do governo federal nesses últimos anos.
A queda na atividade econômica, promovida pelo governo Collor nos anos de 91 e 92, abalou fortemente o ICMS, que passou de um patamar de US$ 9,5 bilhões em 90 para US$ 7 bilhões em 92. A pequena recuperação havida em 93 (quase US$ 8 bilhões) ainda ficou bem aquém do ano de 90.
Por outro lado, as taxas de juros permaneceram em níveis estratosféricos ao longo desse período e continuaram, após o Plano Real, afetando as dívidas públicas estaduais.
No aspecto institucional, a confusão também foi grande: além de dois presidentes da República, tivemos nove ministros da Fazenda e quatro presidentes do Banco Central.
O crescimento de US$ 18 bilhões para US$ 31 bilhões do estoque da dívida está associado principalmente à incidência das elevadas taxas de juros monitoradas pelo Banco Central e à variação cambial no período, quando comparado pela equivalência em dólares.
Daí porque, à medida que essas dívidas foram sendo equacionadas e, portanto, os pagamentos sendo retomados, o seu custo financeiro crescia substancialmente só pelo efeito juros, impondo severas restrições à política de gastos do atual governo paulista.
A dívida mobiliária cresceu aproximadamente US$ 5,4 bilhões nesse período, dos quais cerca de US$ 1,3 bilhão foi novas emissões para atender ao pagamento de precatórios judiciais, conforme previsto na Constituição federal, e US$ 4,1 bilhões explicados pela defasagem entre os elevados custos financeiros internos e a variação cambial ocorrida no período.
Portanto, essa parcela de crescimento da dívida mobiliária não gerou novos recursos. Pelo contrário, a atual administração, além de não obter novos recursos (exceto para o pagamento de precatórios judiciais) resgatou cerca de US$ 650 milhões, cumprindo procedimentos acordados junto ao Banco Central ou resoluções do Senado quando da fixação dos níveis de rolagem da dívida mobiliária paulista, com vencimento a cada trimestre.
Com relação ao Banespa e Nossa Caixa, nenhuma operação de crédito foi realizada pela atual administração, em obediência aos preceitos legais existentes.
Ao contrário, essa dívida, constituída em administrações anteriores, foi objeto de pagamentos da ordem de US$ 1,3 bilhão, sendo parte em moeda corrente e parte em ativos de propriedades do Estado. Até mesmo imóveis de entidades devedoras foram transferidos ao Banespa para quitação parcial dessa dívida.
A dívida externa acompanhou, exatamente, a reestruturação negociada pelo Brasil junto à comunidade financeira internacional e os pagamentos efetuados de acordo com orientação recebida do governo federal.
As dívidas junto a bancos privados sob a Resolução 63, de aproximadamente US$ 724 milhões em dezembro de 90, foi reduzida para US$ 135 milhões em julho de 94, livrando o Estado e suas entidades de operações de curto prazo e de elevados custos.
Quanto ao Aviso MF-030, gerido pelo Banco do Brasil, o atual governo promoveu entendimentos que resultaram na assinatura dos contratos da Eletropaulo e da Cesp, no valor líquido aproximado de US$ 1,3 bilhão (inclusive juros 90/94), já deduzidos créditos da ordem de US$ 1,6 bilhão que essas empresas detinham junto à União. Essa dívida foi reestruturada de acordo com a lei federal nº 7.976, com vencimento final no ano de 2.020.
Com relação às dívidas junto ao governo federal e suas entidades, a atual administração reestruturou dívidas, também contraídas por administrações anteriores, no montante de aproximadamente US$ 3 bilhões, pelo prazo de 20 anos, conforme prevê a lei federal nº 8.727/93, equacionando pendências que se arrastavam ao longo de vários anos e que impediam a autorização de novos empréstimos e concessão de aval do governo federal ao governo do Estado de São Paulo e suas entidades.
Esta é a realidade dos fatos. Se a dívida cresceu, as causas foram totalmente alheias à vontade e ao controle do Estado. A queda na arrecadação do ICMS impediu maiores resgates das dívidas junto às instituições de crédito estaduais e junto ao mercado (mobiliária), sob pena de sacrificar ainda mais projetos prioritários em outras áreas.
Por fim, é importante que o futuro governador Mário Covas perceba que o equacionamento definitivo do problema do endividamento não será resolvido apenas com cortes drásticos nas despesas e venda de ativos públicos.
É fundamental, isto sim, assegurar junto ao governo federal que os juros sejam contidos em níveis razoáveis e que a economia volte a crescer em bases sólidas, garantindo uma boa receita de ICMS.

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