São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Verdades e mentiras sobre a Coluna Prestes

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Coluna Prestes ganhou certa coloração épica na historiografia brasileira. Não tanto pelo peso do precedente tenentista para a Revolução de 1930, mas porque, na visão das esquerdas, Luiz Carlos Prestes, ao terminar invicto sua marcha de 25 mil quilômetros, teria se credenciado para uma "revolução de verdade" à frente do Partido Comunista.
Mas os mitos são frágeis, e bastou um exemplar trabalho jornalítico para demonstrar que as coisas não foram bem assim.
A repórter Eliane Brum, 28, do jornal "Zero Hora", percorreu no início de 1993 o trajeto feito pelos militares rebeldes entre 1924 e 1927. Entrevistou ex-combatentes e testemunhas.
Poderia ter voltado com a validação do respeitável relato de Lourenço Moreira Lima, autor de "A Coluna Prestes, Marchas e Combates" (1934), espécie de diário de bordo da aventura. Ou, então, reforçar no episódio a epopéia, como o fez Anita Leocádia Prestes em "A Coluna Prestes" (1990), estruturada em torno de uma longa entrevista com o comandante, aliás seu pai.
Mas a versão fornecida pelas reportagens de Brum reuniu em "O Avesso da Lenda" é bem mais temperada. "Afinal, aquela foi uma guerra. E a coluna uma tropa que precisava comer e vestir nos lugares mais miseráveis do país. Se grande parte dos combatentes não sabia nem que presidente tinha de derrubar, era esperar demais que as populações dos rincões mais perdidos do Brasil, onde jornal não chegava, compreendessem, apoiassem e assistissem seus poucos bens irem embora com alegria no coração", diz a autora.
Moreira Lima e o próprio Prestes, por meio de Anita Leocádia, narram a sobrevivência material das tropas pelo ângulo da intendência. Em troca de alimentos e outros produtos expropriados, os fornecedores recebiam bônus que o governo reembolsaria caso os tenentes chegassem ao poder.
Na visão dos moradores, no entanto, tudo não passou do mais sórdido saque, seguido de sequestro de donzelas e destruição gratuita praticada por uma soldadesca despolitizada e rude.
Há também saudáveis contradições. No vilarejo paranaense de Maria Preta, segundo Anita Leocádia, "duas colunas inimigas , comandadas respectivamente por Claudino Nunes Pereira e Firmino Paim Filho, acabariam por chocar-se inadvertidamente."
Passados tantos anos, os moradores mais velhos da mesma localidade dão uma outra versão do que ocorreu numa noite de março de 1925. Os protagonistas do choque foram os próprios revoltados, tanto que os mortos foram enterrados num singelo mausoléu que Prestes visitou, nos anos 80, antes de morrer.
"Quando tudo acabou, os moradores encontraram as carcaças de suas casas saqueadas, as tripas fedorentas do gado morto e nada mais", diz a repórter.
Prestes e sua coluna não perdem em importância com essas revelações. Mas o referencial factual obviamente se transforma, mesmo porque, com o tempo, os superlativos engajados se esvaziaram.

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