São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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DOS TUPIS AOS TUCANOS

RICARDO MUSSE; AUGUSTO MASSI
DOS TUPIS AOS TUCANOS

O historiador Boris Fausto ignora os preconceitos contra os grandes painéis da sociedade e lança, no próximo dia 12, uma nova "História do Brasil". Sem descartar a reflexão sobre as mentalidades e a história cultural, seu novo livro é um grande compêndio didático sobre os principais fatos econômicos e polítios da história do país até o governo Collor, estabelecendo uma ponte entre a pesquisa universitária e o ensino de segundo grau
RICARDO MUSSE
AUGUSTO MASSI
Historiador consagrado, autor de livro clássicos como "Crime e Cotidiano", organizador da etapa "O Brasil Republicano" da coleção, dirigida por Sérgio Buarque de Holanda, "História Geral da Civilização Brasileira", Boris Fausto não se furtou a uma tarefa que muitos julgariam menor, ainda que de extrema relevância: escrever um livro que, entre outras coisas, pudesse servir também como manual didático.
"História do Brasil" é a primeira publicação de uma coleção paradidática da Edusp (Editora da Universidade de São Paulo) que abrange várias área de conhecimento. Inspirado, de certa forma, no modelo paradigmático da "História Concisa da Literatura Brasileira", de Alfredo Bosi, o projeto propõe-se a estabelecer uma ponte, superando o hiato educacional, entre os conteúdos, e principalmente o enfoque, adotados no segundo grau e o andamento dos estudos e das pesquisas na universidade.
Boris Fausto, porém, não escreveu seu livro tendo em vista apenas o desnível existente entre o segundo ciclo e o ensino na universidade. Sem deixar de lado a idéia de fornecer um instrumento para o professor e um material de leitura para os alunos de escolas de ponta do segundo grau, ampliou seu leque visando um público-alvo que se estende da graduação universitária ao homem letrado em geral.
Para esse arco ampliado, Fausto elaborou –redigindo, sozinho, ao longo de praticamente dois anos, 662 páginas, incluindo cronologia histórica e glossário biográfico– um livro que se distingue dos tradicionais manuais esolares tanto pela intenção de atualização, incorporando as conquistas da historiagrafia mais recente, pela vontade consciente de evitar o uso indiscriminado de estereótipos de lugares comuns, pelo esforço em reproduzir sinteticamente controvérsias historiográficas, quanto pela pretensão de salientar os nexos de inteligibilidade da nossa história, reatando com a vertente das grandes explicações da sociedade brasileira.
A intenção didática, porém, não levou Fausto a trilhar o caminho fácil e anódino do ecletismo. Muito pelo contrário. Além de manter, ao longo do livro, unidade e coerência explicativas, posiciona-se incisivamente, tomando partido no debate historiográfico. Tudo indica que essa publicação reabrirá, em outros parâmetros, a rica e frutífera polêmica da recepção, nos anos 80, do seu "A Revolução de 30". Nesta entrevista à Folha, Boris Fausto antecipa, de certa forma, a sua posição, situando-se frente ao ensaísmo de 30, à sociologia dos anos 60, às histórias regionais, das mentaliadaes, dos vencidos etc.
Boris Fausto sustenta que, ao contrário do que se pensa, a história do Brasil está cheia de pequenas, mas decisivas, mudanças. Assim, aposta todas as suas fichas na expectativa de que isso ocorra no futuro próximo. Não se trata de uma aposta no escuro, mas de confiança no taco do amigo e ex-colega no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Fernando Henrique Cardoso.
Folha –A idéia de um livro que percorra 500 anos de história do Brasil rompe com o modelo uspiano de estudos monográficos. O senhor acha que chegou a fase dos grandes panoramas?
Boris Fausto –Creio que já é o momento. A construção de grandes painéis, entretanto, não elimina a necessidde de monografias. Estas continuam sendo absolutamente indispensáveis, pois além da existência de inúmeros campos da história que ainda não foram pesquisados, existem outros que devem ser reconsiderados.
Nos anos 60, tínhamos –principalmente no ambiente paulista– um domíno imperial da sociologia. Estávamos encantados com as grandes explicações, com as grandes soluções. Nos faltava, porém, um conhecimento mais minucioso da realidade que possibilitasse uma reelaboração mais ampla. Tendo em vista o volume de trabalhos monográficos acumulados ao longo desses anos, penso que é o momento, sem eliminar as monografias, de retomar o grande mural.
Folha –Isso significa um retorno às grandes tentativas de explicação do Brasil?
Fausto –Sim. Trata-se de retomar um pouco essas tentativas de grandes explicações do Brasil que foram muitos férteis, por exemplo, na década de 30. Os grandes ensaios de então percorriam rapidamente, numas 50 páginas, toda a nossa história, para daí extrair uma teoria a respeito da formação social brasileira. Em seguida, como bons médicos, apresentavam um diagnóstico para os chamados "males do presente". Todos têm essa característica –desde os mais democráticos, o Sérgio Buarque em "Raízes do Brasil", até o Azevedo Amaral com seu elogio do Estado Novo.
A minha intenção, mais do que defender uma tese como era no passado, foi fazer um grande mural destinado a um público determinado. Trata-se de uma tentativa de fornecer os grandes nexos de inteligibilidade da formação social brasileira e, ao mesmo tempo, introduzir um pouco de conhecimento narrativo.
Folha –Esses ensaios dos anos 30 se sustentavam, em larga medida, numa interpretação cultural. Ao enfatizar a história econômica e política o seu livro foge dessa tradição...
Fausto –Reconheço que talvez se possa dar uma atenção maior à questão da cultura políticia, aos costumes etc, mas eu não diria que se deva fazer isso sob o prisma do caráter nacional. A tematização do caráter nacional poder levar a uma espécie de liquefação da leitura da realidade, impondo traços muito genéricos que acabam por não explicar quase nada.
Excluí deliberadamente o relato de determinados fenômenos culturais, tomados em sentido estrito. O movimento modernista, por exemplo, tem uma importância e uma influência que se irradiam por vários campos. Não tive condições de lidar com esse tema complexo: de como essas coisas se amarram, evitando, por outro lado, fazer uma simples catalogação. A amarração deve ser muito mais sofisticada do que a tradicional sequência cronológica.
Folha –A sociologia foi, nos anos 60, uma forma de comunicação universal. Essa intenção de fazer um livro voltado para o público letrado em geral indicaria que, hoje, o saber que mais interessa à opinião pública seria história?
Fausto –O público letrado dos anos 60 foi acostumado a se comunicar num jargão sociológico. Naquela época, os intelectuais estavam imbuídos da crença de que o país estava próximo de grandes rupturas. O enfoque de uma parte da sociologia estava ligado a uma idéia evolucionista de progresso, segundo a qual o país necessariamente avançava e caberia apenas detectar a forma desse avanço.
Diria que –para usar um jargão da época–, por força das famosas condições objetivas, que são também culturais, esse tempo passou. Hoje, estamos todos imersos, em maior ou menor grau, em dúvidas salutares a respeito de quais seriam os melhores caminhos para o país. Nesse sentido, existem um interesse mais geral e um prestígio maior da história, o que não é só um fenômeno brasileiro.
Folha –Ao manter uma preocupação cronológica, dando, por exemplo, um a um, os nomes dos presidentes, o seu livro não acaba deixando de lado a história da longa duração?
Fausto –Muitas vezes mantive-me deliberadamente dentro do recorte tradicional, já superado por um núcleo pequeno de leitores. Se essa obra, pelo menos na intenção foi feita para o público grande, tenho que passar uma série de informações básicas, como a enumeração, aparentemente rasa, da sucessão, dos nomes dos presidentes etc. Trata-se de um compromisso com o tipo de leitor que a Editora da USP imaginou.
O que procurei fazer sempre foi combinar o velho, o clichê, com o novo. No caso dos presidentes, na apresentação do sistema político da Primeira República, mostro que esse período não pode ser explicado simplesmente pela política do café-com-leite.

Continua à pág. 6-5

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