São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Suicídio tem longa tradição no Japão

The Independent
De Londres

TERRY MCCARTHY
EM TÓQUIO

O trem em que eu viajava ao aeroporto de Narita, recentemente, freou bruscamente quando passava por uma estação e parou no fim da plataforma. Minutos depois foi feito um anúncio: uma pessoa havia se atirado embaixo do trem.
As portas do trem se abriram e as pessoas saíram para olhar o corpo mutilado. Com eficiência tipicamente japonesa, um trem local foi trazido para a trilha ao lado e pudemos retomar nossa viagem.
Os funcionários da ferrovia pediram desculpas pelo incômodo. Não pude deixar de refletir o quanto aquilo era indigno de uma nação que, no passado, elevou o suicídio ao status de arte refinada.
A tradição japonesa do seppuku (os ideogramas também podem ser lidos como harakiri, e significam, literalmente, cortar o estômago) teve início no final do século 12.
Originalmente, os guerreiros japoneses desejosos de evitar a desgraça da rendição caíam sobre suas espadas, como os romanos. Mas em 1189, Minamoto no Yoshitsune, um príncipe de 30 anos encurralado por inimigos, abriu sua barriga e esperou sentado, suportando uma morte longa e dolorosa.
O estômago era considerado o ponto focal da vida e da vontade. Aos olhos dos guerreiros, a dor provocada pelo ferimento tornava-o ainda mais digno.
Depois de Yoshitsune, o seppuku se formalizou: era realizado com uma adaga de 25 cm e arrematado com um corte letal no coração ou na carótida. Mais tarde, o suicídio assistido foi institucionalizado: após o corte inicial, um guerreiro decapitava a vítima.
Durante a era Tokugawa, que durou de 1600 até a abertura do Japão ao mundo externo, em meados do século 19, o governo às vezes ordenava que um samurai caído em desgraça cometesse seppuku para reparar um delito grave.
Um dos últimos desses suicídios forçados foi testemunhado em 1868, na cidade portuária de Kobe, por um secretário do embaixador britânico. Um militar, Zenzaburo Taki, foi preso por mandar seus soldados abrirem fogo contra o encrave estrangeiro em Kobe.
Segundo o diário do inglês, o suicídio foi realizado à noite, num templo iluminado por velas.
Depois de confessar seu crime, Taki anunciou: Vou me estripar e rogo que os senhores me façam a honra de assistir ao ato. O secretário ficou horrorizado, mas sentiu admiração pela dignidade do ato.
A tradição do suicídio nobre foi reavivada no Japão na 2ª Guerra Mundial, com os ataques aéreos suicidas contra navios dos EUA.
Os pilotos foram apelidados de kamikazes, ou pilotos do vento divino, em memória a uma tempestade de origem supostamente divina que impediu a invasão do Japão pelos mongóis em 1281.
Os kamikazes causaram alguns danos –de cinco mil ataques, cerca de um oitavo atingiu o alvo, afundando ou danificando gravemente cerca de 230 navios–, e sua coragem fanática foi uma arma psicológica contra os americanos. Mas não conseguiram mudar o rumo da guerra, e os militares foram calados pelas bombas atômicas.
Hoje a prática do seppuku é quase desconhecida. O último caso célebre foi o do escritor nacionalista Yukio Mishima, em 1970, que se matou quando seu chamado a um levante do Exército japonês foi ridicularizado.

Tradução de Clara Allain

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