São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Os mortos também vendem

HELCIO EMERICH

Quando era vivo, o ator John Wayne protagonizou uma campanha de propaganda para um remédio contra dor de cabeça chamado Datril 500. Os resultados foram um desastre. Os gênios criativos da agência que bolou os comerciais não levaram em conta que o velho cowboy era um ícone americano e heróis nunca sofrem de dores de cabeça.
Depois de morto, John Wayne estrelou uma outra campanha no Japão, para a Levi's. E o sucesso foi tão grande que a famosa marca de jeans resolveu dar sequência à temática dos "american heroes" contratando outros finados notáveis, como James Dean e Marilyn Monroe.
Não se espante. A propaganda americana decidiu que a exumação de figuras ilustres do cinema, do esporte e até da política pode não ser um negócio inteiramente ético, mas é muito conveniente e lucrativo. Os cachês das celebridades desaparecidas custam bem menos do que os de um Michael Jackson, por exemplo.
Além disso, defuntos não têm (mais) rompantes de estrelismo ou problemas com drogas e nunca faltam às gravações. Os computadores se encarregam de vestir, despir, colorir e movimentar os mortos. A gente já tinha visto aqui no Brasil comerciais da Coca-Cola que promoviam encontros entre cantores vivos, como Elton John e Paula Abdul e artistas falecidos como Louis Amstrong, James Cagney, Humphrey Bogart e outros.
Nos EUA, o cantor Buddy Holly, que já havia ressuscitado em anúncios para as fitas cassete Maxell, voltou ao ar para promover a loteria do estado de Iowa. Os lengedários jogadores de beisebol Babe Ruth e Lou Ghering foram sacados do seu descanso eterno para testemunharem produtos da General Mills. A Sara Lee pensou em tirar uma casquinha da imagem de James Dean colocando-o para vender roupas de baixo na Australia, mas a família do ator achou que assim era demais e entrou na Justiça impedindo a veiculação da campanha (nada contra o rebelde sem causa posar para as causas da Levi's ou das velas Champion, de onde se conclui que a moral também é uma questão de marca).
Quem detém direitos da imagem de Dean é um escritório chamado Curtiss Management Group, em cujo portifólio de modelos constam outros mortos com muito prestígio comercial como Fred Astaire, Malcolm X, os irmãos Marx e Cary Grant. A Beverly Hills, agência concorrente do CMG, oferece aos anunciantes desde W.C. Fields e Steve McQueen até Marilyn Monroe e Albert Einstein.
Marilyn foi usada numa campanha para promover o turismo no Alaska, prejudicado pela catástrofe provocada há alguns anos pelo derramamento de petróleo do navio Exxon Valdez. A atriz aparecia em um dos anúncios cujo título dizia: "A beleza dela não mudou e o mesmo acontece com as belezas do Alaska". Quase ao mesmo tempo uma vinícola do Napa Valley lançava um vinho com o nome de Marilyn Merlot.
Chega? O escritório Harriet Brown & Co., que representa os interesses da família de Greta Garbo, também não vê nenhum problema em faturar em cima da imagem da diva. Está aceitando propostas. Embora uma das maiores lembranças que tenha ficado da atriz seja aquela sua frase nada publicitária ("I vahnt to be alone", com o devido sotaque), pouca gente sabe que ela começou sua carreira posando para anúncios na Suécia.

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