São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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'Éramos Seis' termina com sucesso discreto

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Éramos Seis", novela produzida e exibida em dois horários pelo SBT, terminou no último sábado. A novela marca mais uma investida séria da emissora de Sílvio Santos no campo da ficção televisiva. A escolha de "As Pupilas do Senhor Reitor" para substituí-la, sugere a intenção de consolidar o sucesso com um novo remake no gênero melodrama.
A propaganda da nova novela acena com "gente simples, alegre, batalhadora e com muita história prá contar". Esse apelo à simplicidade se refere ao dramalhão de órfãs, padres e comadres.
A série de remakes empreendida pela Globo e SBT talvez signifique que a fantasia que Nelson Rodrigues tanto prezava em novelas de Glória Magadan como "O Sheik de Agadir" e "Rainha Louca" está de volta –mas em versão muito bem comportada.
"Éramos Seis" fez um sucesso discreto. Não houve muito sexo, cinismo, politização ou discurso. Na novela, a vida passa como no álbum de fotografias a que alude a vinheta de abertura. A trilha sonora instrumental intermitente ao fundo transmite uma sensação de desenrolar inevitável das coisas. Não há glamour. A vida é simples e dura, na dominação da nora rica e egoísta, na pobreza da filha honesta e batalhadora, na rebeldia do filho guerreiro. A novela não chegou a atingir cifras ameaçadoras no Ibope. Tampouco provocou celeuma. Talvez justamente por isso, pessoas das mais diversas, habituais telenoveleiros ou não, assistiram aliviadas.
Trata-se de uma novela convencional. A trama é feita dos movimentos corriqueiros de uma família que vai envelhecendo, os filhos vão crescendo, os pais vão morrendo, os netos nascem. A cidade vai mudando, a história vai passando: revolução de 1932, Segunda Guerra Mundial.
O elenco é excepcional. A produção incluiu a inauguração de uma cidade cenográfica à semelhança do Projac da Rede Globo. Mas ainda há muito por fazer para que o cenário perca sua cara de papelão sempre limpinho como novo. As personagens envelheceram em um ótimo trabalho de caracterização e interpretação, mas as coisas não. Falta sujeira, gordura, rabisco ou um simples descascado em qualquer parede. Durante a maior parte da novela, a maioria das cenas foi gravada no interior do estúdio, em cenários domésticos. O ritmo lento dos acontecimentos se assemelhava ao ritmo do cotidiano dos telespectadores e lembrou as intermináveis "soap operas" americanas.
Os últimos capítulos foram mais cuidados. Esse cotidiano ficou mais movimentado e carregado de emoção. A novela mergulhou no drama subjetivo de suas personagens. As sequências foram mais rápidas e menos repetitivas. Houve elaboração e alguma ousadia na inserção de cenas de documentários de guerra que reiteram bombardeios sucessivos como pano de fundo do dilaceramento da mãe.
O refinamento da interpretação teatral aparece no monólogo interpretado por Irene Ravache, de frente para a câmera, contra um fundo negro e vazio. A nostalgia sofrida que toma conta de sua personagem Lola, mãe que envelhece, perde seu lugar, vive cotidianamente o abandono dos filhos e sonha todo dia com o passado, é transmitida em uma sequência que alterna planos subjetivos dos paralelepípedos da rua do bonde, com recordações em preto e branco da primeira fase da novela.
O SBT explora o filão -limitado- dos telespectadores que acham a novela das 8 "muito forte". As novelas da Globo se notabilizam por tratar de assuntos de notícia no espaço da ficção. Elas fazem a crônica dos acontecimentos. Aqui não se trata de discutir o Brasil. Mas o que o SBT explora mesmo é a fissura por novelas. O tema de "Éramos Seis" é existencial. E houve alguma poesia no final, embora o dia-a-dia da novela tenha sido difícil de sustentar.

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