São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994
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Agricultura no século 21

JOSÉ GOMES DA SILVA

Distante apenas seis anos da virada do século, começam os futurologistas a abandonar a meta do ano 2000, buscando agora projeções mais distantes. Essa é a razão pela qual muitas das previsões, em todos os campos de conhecimento humano, estão sendo feitas para 2020, 2050 e até 2100. Sobretudo as estatísticas de crescimento populacional –com a volta do espectro de Malthus– mostram nitidamente essa preocupação.
Nesse contexto, o que se espera da agricultura no século 21?
Para responder a essa indagação existem estudos a valer, mas, em termos de abordagem geral e situando o setor nos marcos do futuro da sociedade moderna, nada melhor do que o "best-seller" "Preparando para o Século 21" de Paul Kennedy, um professor de História, que já alcançara o sucesso com a publicação de "Ascensão e Queda das Grandes Potências".
Inicialmente, chama a atenção o destaque dado pelo autor às coisas do campo num mundo que se urbaniza. Tal como acontece ainda hoje, quando a agricultura desponta como "issue" constante nos debates (Gatt, fome na África, colônias agrícolas em Israel, problema de arroz no Japão, subsídios a produtos agrícolas no MEC etc.), Kennedy inscreve a agricultura mundial e a revolução da biotecnologia ao lado de temas candentes do futuro, tais como os perigos para o meio ambiente, a explosão demográfica, a camada de ozônio e o futuro do estado nacional.
A listagem da inserção das questões relativas à agricultura no século 21 é feita em capítulo próprio e através de numerosas passagens nos comentários gerais.
Em primeiro lugar, vem a questão da fome, esse espectro que Betinho tenta agora espantar de nosso país. A tabela mostra algumas cifras redondas que impressionariam o próprio Malthus. Depois de um período de euforia (1950/84), em que a produção de alimentos superou o aumento populacional, houve uma inflexão negativa extremamente preocupante até 1989, acompanhada ainda pela tendência à redução nos estoques mundiais de cereais, reduzidos de 450 milhões de toneladas para cerca de 300 milhões durante o período de 1985/90.
As análises de Kennedy mostram que aquela fase de euforia aconteceu sobretudo devido aos resultados da chamada "Revolução Verde", produzindo as variedades milagrosas de arroz, milho e batata, e aquietando a fome, sobretudo na Ásia. Tal como tem acontecido com outros "milagres", a "Revolução Verde" não tardou a mostrar sua face perversa (ao exigir insumos modernos, doses exageradas de adubos e irrigação) e a alegria acabou.
A questão da renda é também central nessas análises. Paradoxalmente, as montanhas de alimentos que se acumulam nos países ricos não podem ser transferidas para as populações famintas, simplesmente porque estas não têm dinheiro para comprá-las.
O esgotamento das reservas de terras férteis (onde o Brasil, felizmente, é uma exceção), a erosão dos solos agrícolas, o pastoreio predatório, a salinização dos solos em consequência da irrigação descontrolada (cuidado com o São Francisco!) e o assoreamento dos rios provocado pelo desmatamento, são fatores que contribuem para acelerar a desigualdade entre oferta de alimentos e demanda por parte de uma população crescente.
Por outro lado, porém, ciência e tecnologia respondem com a nova Revolução Agrícola representada pela biotecnologia, pela produção de alimentos "in vitro" e outras novidades auspiciosas.
De permeio, porém, surge novamente o "fosso do desenvolvimento", o famoso "technological gap": essas tecnologias salvadoras são privilégios dos países ricos e, como diz o insuspeito autor (inglês morando nos Estados Unidos), "já há acaloradas acusações de que os recursos genéticos dos países em desenvolvimento estão sendo saqueados pelo 'imperialismo biológico' das grandes empresas".
De qualquer modo, cabe aqui como resumo, uma outra frase da festejada publicação: "qualquer que sejam as consequências da expansão da população mundial, a posição da agricultura, tal como a conhecemos, parece estar desaparecendo".

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