São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Compositor estabeleceu modelo de harmonia para a bossa nova

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Tom Jobim calculava ter escrito cerca de 500 composições, entre canções, peças instrumentais e até toadas sertanejas. É o mais importante conjunto de obra já produzido pela música popular brasileira.
Tom foi para a música popular o que Villa-Lobos foi para a erudita. Este consolidou o nacionalismo e ingressou nas enciclopédias clássicas. Tom estabeleceu o modelo harmônico da bossa nova (o rítmico foi invenção de João Gilberto) e compôs os clássicos do gênero. Internacionalizou a canção brasileira. Fez com que ela passasse a integrar a história do jazz.
Não são tantas as músicas de Tom responsáveis por esse curto-circuito de tradições. Não chegam a uma centena. Mas marcam a invenção de uma linguagem.
O compositor era impreciso em números. Disse ter escrito cerca de 400 canções ao longo de 43 anos de carreira. Dessas, selecionou apenas 102 para constarem de seu "Songbook", publicado pela editora Lumiar em 1990.
O organizador do livro, Almir Chediak, recolheu 124. Mas Tom eliminou duas dezenas por considerá-las secundárias. Quase todas pertencem à sua primeira fase.
Mas é nas bagatelas da juventude que se percebe o alicerce rigoroso da bossa nova.
Sua primeira música foi o samba-canção "Pensando em Você", lançado em junho de 1953 pelo cantor Ernâni Filho para a Continental. O autor participou da gravação como arranjador e pianista.
Pouco antes, em abril daquele ano, Mauricy Moura havia gravado para a Sinter outro samba de Tom: "Incerteza".
"Pensando em Você" revelava escalas de tons inteiros, ao modo de Debussy. Os arranjos de cordas e sopros destoavam das convenções da época. Talvez por influência dos seus professores, Radamés Gnattali e H.J. Kõllreutter.
Ao contrário de um de seus mestres populares, Caymmi, Tom ouviu os impressionistas antes de conhecer Gershwin e a canção americana. Esta foi sendo filtrada até chegar a um componente discreto. Foi mais presente na obra de Tom durante a bossa nova do que no fim da carreira.
O último disco solo (deixou redondos dez), "Antonio Brasileiro", mostra um músico voltado ao folclore e à experimentação.
Nenhum outro autor da MPB sintetizou como ele alta inspiração e rigor técnico. Traçou o aparentemente estranho caminho que vai de Caymmi a Debussy, de Ary a Bach, da intuição à desconstrução. Morreu o mestre. Não há quem possa ocupar-lhe a cátedra.

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