São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Nirvana elimina ruídos em 'Unplugged'

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O extinto trio norte-americano Nirvana estampa a face oculta no CD "Unplugged in New York", que acaba de sair no Brasil pela gravadora BMG Ariola. É o derradeiro documento do grupo, encerrado em abril de 1994 com o suicídio de seu vocalista e líder, Kurt Cobain, aos 27 anos.
O Nirvana se notabilizou por levar o estilo punk à "mainstream" do pop em 1991, com o CD "Nevermind", gravado em 1990. O disco vendeu 10 milhões de cópias no mundo inteiro e consolidou a onda grunge –surgida em Seattle como reação da "geração X" aos padrões do mercado jovem.
O papel mais evidente do Nirvana era divulgar o desencanto geracional da juventude do início dos anos 90 com músicas ruidosas, carregadas de distorções, letras elípticas e canto gritado.
O grupo foi criado em 1987 e lançou os discos "Bleach" (1988), "Nevermind" (1991), "Incesticide" (1992) e "In Utero" (1993). Canções como "Smells Like a Teen Spirit", o maior hit do Nirvana, de "Nevermind", registraram o espectograma da geração. Os "largados" (slackers) não criavam nada, mas também não se importavam com isso. Queriam ser rebeldes mas nem isso conseguiam. Consumiam desconfiando. O mercado assumiu rapidamente a trangressão.
Nirvana popularizou o slogan "I don't mind" (eu não me importo). Cobain se aventurou pela "negação completa do comércio, a rebeldia integral", como disse.
A tragédia de sua aventura foi achar no fundo da suposta rebeldia um veio de moda, um produto supervendável e a morte. Ao se suicidar com um tiro na cabeça, Cobain aumentou as vendas dos discos do Nirvana.
O cantor renovou a linha necrofílica dos produtos de rock. Por diversas vezes anunciou o suicídio e a recusa do mercado. Ninguém acreditava. Quando concretizou a ameaça, porém, já não se tratava de novidade. A estetização da violência recebeu versão "nevermind". Ruído virou "mainstream" no pop e no cotidiano.
No "Unplugged", Cobain eliminou o ruído e traiu seu lirismo. Sob o barulho, o Nirvana esconde melodias palatáveis. Cobain gravou de má vontade o CD, em 24 de novembro de 1993 no estúdio Sony, em Nova York, para uma platéia comportada. Talvez por isso mesmo sua voz esganiçada recebeu um tom soturno. Lembra a de Michael Stipe, do R.E.M., influência oculta do Nirvana.
Resultou num disco saturnino, com 14 faixas lentas e sem nenhum megahit. Os arranjos têm acordeom, violoncelo e violões. Participaram da gravação dois músicos da banda Meat Puppets, uma das favoritas de Cobain, os guitarristas Curt e Cris Kirkwood.
O encanto do cantor pelos Puppets o fez incluir três músicas do grupo. São elas "Lake of Fire", "Plateau" e "Oh me", três baladas monocórdicas e cheias de lacunas, ao estilo do Nirvana.
Há mais três que indicam as fontes da banda: o rock "The Man Who Sold the World", hit de David Bowie dos anos 70, e os folks "Jesus Doesn't Want me for a Sunbean", de Kelly e McKee, e "Where Did You Sleep Last Night", de Ledbetter.
Nirvana era uma banda de certa forma fundamentalista, ligada às raízes do pop. Isso se evidencia nas oito faixas de autoria de Cobain, que repetem a mesma estrutura. O músico tinha apreço pelos semitons e refrões cantáveis, algo como se os Beach Boys trocassem o surfe pela autoflagelação.
O disco abre com "About a Girl", bela canção lançada em "Bleach", desbastada da carga de ruído. "Dumb" e "Pennyroyal Tea" saíram de "In Utero". Foram recicladas para o pianíssimo.
A surpresa está num fato. Como insurgidas contra seu criador, as velhas ásperas músicas se convertem em acessíveis. A "geração X" não poderia merecer testamento prematuro mais fiel. Lacônico.

Disco: Unplugged in New York
Lançamento: BMG Ariola
Quanto: R$ 18 (o CD, em média)

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