São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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'Desafio' embaralha maniqueísmos

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA FILME: DESAFIO NO BRONX

Diretor: Robert de Niro
Elenco: Robert de Niro, Chazz Palminteri e Joe Pesci
Onde: Paulista 4, Arouche B

"Desafio no Bronx" é um filme de atores. Em mais de um sentido. Talvez por ter sido escrito originalmente como uma peça, por um ator, a história se sustenta exclusivamente sobre uma rede de conflitos dramáticos e psicológicos entre verdadeiros personagens (e não tipos), o que dá ao primeiro filme dirigido por Robert de Niro um admirável estofo emocional.
Chazz Palminteri escreveu a peça em 91, já à beira do desespero, após 15 anos de carreira e uma sucessão de pequenos papéis em seriados para a televisão, como "Dallas", a que parecia condenado. Interpretou os 18 papéis do texto –um monólogo onde cada personagem era criado com uma diferente inflexão de voz– e acabou sendo premiado com o Los Angeles Drama-Logue Award e o New York Critics Circle Award.
O interesse de Hollywood pela peça garantiu a Palminteri não só emplacar seu texto no cinema, mas ser alçado a primeiro plano como ator –contracena com De Niro, no papel do gângster Sonny, que controla uma região do Bronx, nos anos 60.
"Desafio no Bronx" é baseado em situações autobiográficas. Palminteri passou a infância no Bronx italiano, convivendo com a pequena Máfia local. A idéia da peça surgiu de uma cena real: um homem sendo baleado diante dos olhos do autor quando criança.
No filme, é essa mesma cena que está na origem da intriga, embaralhando as cartas dos maniqueísmos tradicionais (o mafioso de Palminteri revela-se de uma riqueza emocional e humana sem precedentes nos filmes do gênero) e detonando os principais conflitos psicológicos entre os personagens.
O menino do filme é a única testemunha de um assassinato. Sabe que Sonny, o mafioso, é o assassino. A polícia intima o garoto a reconhecer uma série de suspeitos. Diante do pai (Robert de Niro) e de diversos moradores, ele passa por Sonny, sem acusá-lo. Desse dia em diante, o mafioso passa a proteger o menino, adotando-o quase como um filho.
O primeiro grande conflito se estabelece entre o mafioso e o pai, um honesto e escrupuloso motorista de ônibus, disposto a educar o filho dentro de padrões estritos de moral e a evitar a influência do crime em sua formação.
A relação de paternidade que liga Sonny ao garoto mostra-se bem mais complexa do que o tradicional elo entre mafioso e protegido. A certa altura, Sonny diz ao menino que seus caminhos são diferentes. Também o mafioso está preocupado com a educação do protegido –e curiosamente determinado a não deixá-lo enveredar pela trilha do crime.
O segundo conflito principal acontece quando o rapaz se apaixona por uma negra, contra e apesar de todos os preconceitos de seu meio. É mais uma vez o mafioso que vai se revelar, contra todas as expectativas, o principal encorajador dos sentimentos do protegido, para além de qualquer preconceito.
Ao embaralhar os papéis e as expectativas, Palminteri e De Niro construíram um filme sensível, que aposta na grandiosidade emocional dos personagens e dá uma definição simpática e positiva a um tema muito caro à Máfia: a família, ou seja, aqueles que você encontra ao longo de sua vida e com quem estabelece os laços mais profundos de amizade, fidelidade e compromisso.

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