São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Livros levam comida para a biblioteca

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas listas de best sellers só vemos as biografias, as cartas, os diários. O cotidiano está na moda. O estilo de vida está na moda. Tudo importa. O jeito de se vestir, de decorar a casa, de receber amigos, de viajar, de falar, de comer. E o que pode haver de mais cotidiano no dia-a-dia do que o comer?
Os editores de livros, espertos, pensaram rapidamente em como aproveitar esse veio. Poderiam lançar livros de comida que traduzissem em fotos e textos o clima de uma época, que definissem modos de vida. E passaram a buscar nos baús mais velhos, nas gavetas mais antigas das cozinhas, o caderno de receita das bisavós, das tias, das cozinheiras.
Logo devem ter percebido o óbvio. Que graça teria um caderno de Françoise, cozinheira de Proust? Umas páginas amarelas, muitos erros de gramática, receitas que não fariam lembrar em nada o mundo mágico do escritor. Uns ovos aqui e acolá, uns biscoitinhos amanteigados em formato de concha, um pobre frango depenado...
Definitivamente, o caminho não era por aí. Talvez as receitas do castelo de Nohan, de Georges Sand, cadernos com gerações e gerações de receitas burguesas... Também não. Muito repetitivo, sem alusão aos grandes convidados, nem uma linha para as visitas de Chopin. É bobagem, mas comer um ensopado simples ou um ensopado que Chopin comeu faz diferença.
Finalmente percebeu-se que a receita ideal para o livro de cozinha ideal do cotidiano ideal seria contar com a colaboração de uma bisneta de artista famosos, com "penchant" literário, para descrever com palavras simples a vida da bisavó ou do avô. Um álbum de família com o menino de cachos e a menina de cinto de renda e sapatinho de verniz. Toulouse Lautrec com sete anos, Proust também, a avó de Georges Sand de coque, arrasando de bonita, "dejeunant sur l'herbe".
Além disso, excertos das obras dos escritores falando sobre o quintal da infância e comida. Quadros dos pintores, mostrando cenas pastoris, cabras e queijos, piqueniques no campo e comida.
E o que mais? Um chef famoso que experimentasse as receitas do tal caderno, corrigisse, adaptasse. Daí para a criação de uma nova profissão foi um passo. Inventaram o estilista de comida, para apresentar os pratos de maneira sugestiva e elegante, com ares de nosso tempo. Drama, impacto, doçuras, sutilezas. Para culminar, fechando a equipe, o fotógrafo de peso, captando tudo isso em imagens que batessem no estômago, mexessem com a fantasia.
Foi essa a fórmula de sucesso. Ninguém resiste a uma vida importante muito bem documentada, receitas do arco da velha, closes de pratos, casas no campo, bancos com cestas de cerejas, cachorros pensativos nas soleiras das portas, galinhas poedeiras ciscando no quintal. O cotidiano que faz a história, enfim! São livros lindos, evocativos, e resistir, quem há de?
Para os muito eruditos, acadêmicos e literatos, uma obra de tirar o fôlego é o ensaio "A Literatura e o Gozo Impuro da Comida", de Maria José Queiroz.
Não é coisa amena, superficial, que cozinheira possa dar palpite. Mas quem é essa Maria José de Queiroz, mineira, mulher mais lida e mais sabida? Vai da "Ilíada" a Pedro Nava como num passeio. Tem um vocabulário de palavras que você até já se esqueceu que existiam e que soam muito bem.
Este livro –dividido, fotografado, estilizado– dava uns 50, daqueles bonitos, só para se ter idéia da quantidade de informação que ela acumulou. Enfim, as livrarias estão com tudo para todos os gostos e boa sorte nas compras.

PINTURA
"À Mesa com Monet", de Claire Joyes. Supervisão das receitas de Giverny de Joel Robuchon e fotos de Jean Bernard Naudin. Editora Salamandra
"A La Table de George Sand", de Christiane Sand. Fotos de André Martin. Ed. Flammarion. Receitas escolhidas do castelo de Nohan
"Toulouse Lautrec - Les Plaisirs d'un Gourmand", de Geneviève Diego Dórtignac. Fotos de Jean Bernard Naudin e receitas de André Dauguin. Ed. Scala
"Musée Gourmand - Le Peintre et Le Cuisinier", de Marc Meneau e Annie Caen. Fotos de Daniel de Déve. Ed. du Chêne
LITERATURA
"Proust - La Cuisine Retrouvée", de Ann Borrel. Fotos de Jean B. Naudin e receitas de Alain Senderens. Ed. du Chêne
"Collette Gourmande", de Marie Christine e Didier Clément. Fotos de André Martin. Ed. Albin Michel
"Saveurs des Mille et Une Nuits", de Odile Godard. Fotos de Jean Bernard Naudin. Ed. du Chêne
"A Comida Baiana de Jorge Amado", de Paloma Jorge Amado Costa. Ed. Maltese
"A Literatura e o Gozo Impuro da Comida", de Maria José de Queiroz. Top Books
ANTOLOGIAS
"The Faber Book of Food", de Collin Spencer e Claire Lifton
"Food - An Oxford Anthology", de Brigid Allen. Oxford University Press (A ser encomendado)
Estes livros podem ser encomendados nas livrarias Francesa (tel. 829-7956) e Cultura (tel. 285-4033)

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