São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Palhaçada

Senadores da República aprovaram um acintoso projeto de lei que estabelece uma ampla anistia a todos os parlamentares-candidatos que tenham feito uso irregular da famigerada gráfica do Senado. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados e, se aprovado –o que se espera que não aconteça–, vai para a sanção presidencial.
O projeto beneficia o senador e atual presidente do Congresso Nacional, Humberto Lucena (PMDB-PB), já condenado judicialmente em todas as instâncias possíveis e que teve sua candidatura cassada e inelegibilidade decretada.
Não se pode deixar de notar que, dos 42 senadores que votaram a favor da anistia, 7 estavam escancaradamente legislando em causa própria, pois estão sendo investigados ou processados pelos TREs de seus Estados devido à impressão de propaganda eleitoral na gráfica. O único representante na Casa que se opôs ao diploma foi o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Mais do que uma reação abjetamente corporativa, a aprovação de tão singular projeto de lei fere a própria idéia de anistia, um instrumento de uso excepcional e que deve atender a certas exigências de utilidade social, como as que costumam surgir depois de guerras ou momentos de grave convulsão. É óbvio que a situação de Lucena nem de perto se assemelha àquelas que legitimamente abrem espaço para a concessão de uma anistia.
De resto, o principal argumento brandido pelos defensores do presidente do Congresso Nacional é no mínimo pueril. Dizem que a impressão de 130 mil calendários para ser distribuídos aos eleitores do senador não configura mais do que um pecadilho e é mesmo prática comum entre os membros da Casa. Ora, essa seria uma razão para condenar todos quantos usaram do mesmo expediente, mas jamais para comprometer o que resta da imagem do Legislativo na aprovação de um projeto tão descabido.
A manobra ganha contornos de acinte quando se considera que foi a mesma legislatura que agora quer conceder a anistia que decidiu considerar crime eleitoral a impressão de material de campanha com recursos públicos. Só o deslavado cinismo explica a atitude do Senado.
Cabe agora à Câmara rejeitar esse refugo de anistia. Mais ainda, é preciso que os TREs levem em frente os processos contra outros que usaram o patrimônio público em favor de suas campanhas privadas. Aliás, o Brasil teria muito a ganhar se conseguisse que a distinção entre público e privado fosse levada um pouco mais a sério.

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