São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Ai, Tom!

JORGE AMADO

Como escrever, mesmo que sejam apenas algumas palavras, sob o impacto de notícia tão cruel? Para mim a morte de Tom é algo inimaginável. Como não andar com ele flanando pelas ruas de Paris, conversando disso e daquilo, de música, de literatura e de vida, de filhos, das esposas? Como não sabê-lo em sua casa do Rio, ele o carioca perfeito, o da "Garota de Ipanema", o do chope no bar do Leblom, o parceiro de Vinicius, o mestre da bossa nova?
Penso em Ana, penso em Paulinho e Beth, penso em João e Luísa. Sei que junto com eles muitos estão hoje chorando, tentando conter as lágrimas, e não podendo contê-las: Dorival e a família Caymmi –Danilo, meu sobrinho e sobrinho do Tom, Nana e Dori–, Joãozinho, o cantor João Gilberto que nasceu da música do Tom e a levou pelo mundo afora, Caetano, Bethânia, Gil e Gal, nos becos do Pelourinho, Chico Buarque, seu compadre, seu parceiro, aquele que saudou Antonio Brasileiro com a música mais bela, nela Tom está inteiro, nela viverá para sempre.
Viverá para sempre nas composições que nos deixou, músico principal do Brasil, o igual de Villa-Lobos, o igual de Dorival Caymmi, o igual de Cartola, personagem de escola de samba, o Brasil em Nova York, em Paris, em Roma, em Tóquio, em qualquer recanto do mundo onde um coração vibre ao escutar a música de Tom.
Tão patrulhado no Brasil, tão negado, tão invejado –ai, tão invejado! Uma vez ele escreveu, e depois repetiu, que "o sucesso no Brasil é um insulto pessoal", e como nenhum brasileiro teve tanto sucesso quanto ele aqui e lá fora, ninguém foi tão invejado e tão crucificado. Mesmo esses mesquinhos e miseráveis se sentirão hoje menores, porque Tom já não está para eles o invejarem e ofenderem.
Como continuar a redigir frases e escrever palavras? Tomo da mão de Zélia, vamos chorar juntos o amigo que se foi, perdemos um amigo incomparável. Não sei se o governo decretará luto oficial. Mas todos os brasileiros estamos de luto: perdemos o que tínhamos de maior e de melhor.

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