São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 1994
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A prevenção da Aids

FRANCISCA VONK

Muito se tem falado, pensado e pesquisado sobre a evolução dos números da Aids em todo o mundo. Na medida em que a epidemia avança e a vacina não vem, profissionais das áreas de pesquisa, saúde e educação têm se dedicado ao desenvolvimento de trabalhos preventivos, que possam fazer frente ao contágio pelo HIV.
Atualmente, no Brasil e no mundo, há um aumento na contaminação de mulheres heterossexuais. Ao longo de 1993, em São Paulo, a Aids ocupou o primeiro lugar nas causas de morte entre mulheres de 20 a 34 anos.
O médico Drauzio Varella, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" em 17/10/94, afirma que a contaminação entre mulheres está em plena expansão, o que acarretará uma futura onda de contaminação de homens, pelas mulheres. Ainda nesta entrevista, o Dr. Varella relata os resultados de uma pesquisa realizada na Europa com casais heterossexuais nos quais um dos parceiros era portador do HIV.
Mesmo sabendo da condição do parceiro e recebendo aconselhamento sobre práticas de sexo protegido ao longo do estudo, apenas 48,4% dos casais usaram camisinha em todas as relações, 47,2% usaram o preservativo de vez em quando.
O que faz com que pessoas informadas a respeito da soropositividade de um dos parceiros, das formas de transmissão do HIV e das medidas preventivas que impedem o contágio, deixem de usá-las?
A campanha suíça, "Stop Aids", no verão de 1994, dirigiu o foco de suas mensagens preventivas à questão do uso da camisinha, quando um relacionamento amoroso está em jogo. Ou melhor, das dificuldades do uso da camisinha quando há um relacionamento afetivo mais profundo entre os parceiros.
Não é nova, para nós, a idéia de que a prevenção torna-se incômoda justamente por ser a sexualidade a via de expressão e prazer do ser humano, e pensar na possibilidade da morte neste momento, torna-se paradoxal, erigindo defesas psíquicas difíceis de transpor.
O que a campanha "Stop Aids" põe em evidência são as brechas que os estados amorosos deixam a descoberto. Estar amando, estar apaixonado, estar envolvido com outra pessoa, remete a um estado de aproximação intenso, a ponto das pessoas desejarem estar tão perto do outro, que poderiam ser um só.
É um estado fusional, onde as identidades dos parceiros se confundem e tudo aquilo que possa discriminá-los tende a ser mantido afastado do pensamento.
A proposta do uso da camisinha entra nesta relação interditando esse desejo, diferenciando o par amoroso e trazendo a realidade da vida de cada um: sua história pessoal, seu passado sexual, outros relacionamentos,outrosencontros..., arrancando-as do sonho de ser um só.
Exemplos de frases da campanha: "Cada um tem um passado. Para se proteger, a todo novo encontro, não esqueça o preservativo. Mesmo se você vive o perfeito amor".
"Você é meu único amor! Mas esta não é a sua primeira vez, é? Proteja-se com a camisinha. Mesmo que este seja o amor da sua vida".
As mensagens veiculadas por esta campanha ampliam e aprofundam o discurso preventivo e certamente, a sua eficácia, pois reafirmam e reconhecem o estado amoroso. Mas também remetem o leitor à realidade de sua história e seu passado, abrindo a possibilidade da integração entre desejo e realidade no comportamento de cada um.

FRANCISCA VIEITAS VERGUEIRO VONK, 35, psicóloga, é membro do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS).

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