São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 1994
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Pau na Folha

JOSUÉ MACHADO

Esta Folha registrou em editorial: "...pode ser um dos fatores que está contribuindo..."; Gilberto Dimenstein: "... um dos ingredientes que o habilitam..."; Clóvis Rossi: "... a impunidade é um dos mais terríveis males que assola...". O leitor Oney Oliveira Leite, de Ribeirão Preto, considerou a concordância nos três exemplos "um caso de tremer no túmulo". No entanto, "todos os dias se o vê na Folha..."
Nem tanto. Já escrevemos aqui que, quando "um dos que" leva o verbo para o plural, ninguém pode reclamar, porque essa agora é a tendência. Mas com o verbo no singular, há muitos exemplos em clássicos, quando o autor queria acentuar certo fator ou pessoa, entre "um dos que participaram" da ação. Teriam os editorialistas feito conscientemente a escolha do singular? Estarão lendo muito os clássicos? Sabedeus. Do século passado para trás, preferia-se o singular.
"Parece-me que é um dos que me prendeu..." (Camilo).
"Uma das coisas que muito agradou sempre a Deus..." (Vieira).
"Esta cidade foi uma das que se corrompeu da heresia." (Frei Luís de Sousa).
"O governador Fleury é um dos que se aposentará com a módica quantia de doze mil reais por mês."
Quer dizer, ele, em evidência, é um dos que, na magistratura, na política ou na área militar, se aposentam com salário integral. Parabéns a eles.
Como se vê, os exemplos, com exceção do último, são de antiguidades, embora ilustres. Portanto, embora se possam aceitar como corretos os textos do jornal, convém reafirmar: "um dos que" deve levar o verbo para o plural, de acordo com a tendência moderna.
O que não tem desculpa nem nunca terá é o "se o vê" que o leitor escreveu por distração. "Se o vê", jamais, para que o "se" não se transforme em sujeito, impossível em português, equivalente ao "on" francês. É claro que o leitor quis escrever "todos os dias se vê..."
2. "Seguro-garantia", em outro editorial, soa de fato redundante.
3. "Seu partido está tão dividido que sequer é definitivamente certo..." (Clóvis Rossi).
O "sequer" aí está aplicado em sentido oposto ao verdadeiro, diz o leitor, com razão. Sequer significa ao menos, pelo menos, e não tem sentido negativo. Deve ser empregado em orações em que já exista negação.
"O povo não se lembrará dos nomes do prefeito e do governador, sequer para maldizê-los." Ou:
"O povo nem sequer se lembrará dos nomes..."
Já há uma tendência para o uso de sequer com sentido negativo, como se atraveu o Rossi, mas, por enquanto...
4. "... ele se auto-apresenta..." (Gilberto Dimenstein)
"Não é uma redonda redundância?", pergunta o leitor, de novo, com razão.
5. "... d. Aloísio Lorsheider –, ..." (Editorial)
"Até pouco tempo, tinha apenas 8% – o levantamento está repleto de ótimas notícias ao ex-ministro." (Gilberto Dimenstein).
O leitor considera que nos casos acima o travessão foi mal-usado, por causa (ou no lugar) da vírgula e do ponto final.
O travessão pode aparecer no início da frase, para indicar diálogo, substituir a vírgula, o ponto e vírgula, os dois pontos e serve para ressaltar uma palavra ou expressão. Só não substitui o ponto final. Quando duplo –no lugar de parênteses –, usa-se a pontuação como se ele não existisse –exemplo da vírgula que segue o segundo travessão, acima. Se ele contiver uma locução ou oração que requeira pontuação própria, assim será:
"O Mário –lembra-se dele?– foi despedido porque agarrou a Aninha atrás do armário."
O travessão é como alguns políticos –principalmente do pefelê, do peperrê do petebê: flutua mais ou menos acima do bem e do mal, sempre junto ao "pudê".
Quanto ao senador Sarney escrever nesta Folha "aonde" no lugar de "onde" e justificar-se com uso igual de um conterrâneo, coisas da vida. Pode-se abonar qualquer pândega, garimpando escorregões dos outros aqui e acolá. Mais acolá do que aqui.

JOSUÉ R. S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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