São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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O multijulgamento

JANIO DE FREITAS

Nem Fernando Collor, nem PC Farias. O que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sob a personificação daqueles dois, é a corrupção entre os graúdos dos governos. A absolvição de Collor e PC, se ocorrer contra as melhores previsões, será a consagração judicial da verdade há muito consagrada pela sabedoria popular: no Brasil, lugar de corrupto não é na cadeia, é nos gabinetes de administração pública, em direções de grandes empresas, nas mansões e apartamentos de luxo.
A prevalecer a tese já sustentada pelo ministro Ilmar Galvão, por exemplo, o tráfico de influência estará reconhecido pela mais alta corte de Justiça como legítimo, legal, ético, moral. Ao avaliar a parte da acusação referente ao episódio envolvendo Vasp e Petrobrás, aquele ministro-relator não encontrou qualquer excesso, qualquer impropriedade, sequer a mínima improbidade na intervenção da Presidência e de PC por um negócio, do tipo para filho, de uma empresa do Estado em benefício de uma empresa privada.
Completado com tantas inocentações quantas são as acusações, o voto final do ministro Ilmar Galvão já era esperado como um dos três favoráveis à absolvição dos acusados. O segundo, do ministro Moreira Alves, também não contrariou o mesmo prognóstico. Só os votos restantes dirão se as comemorações já iniciadas por Collor e PC, nas respectivas clausuras, foram precipitadas ou não. Mas, quaisquer que sejam, fica suscitada mais uma das muitas questões que tornam o Judiciário tão necessitado de uma boa reforma quanto o Legislativo e o Executivo.
Admita-se que oito magistrados emitam, no julgamento de Collor e PC, votos de consciência e saber jurídico. Ainda assim, não há como justificar eticamente que juízes nomeados pelo réu sejam seus julgadores. Afinal, devem-lhe o seu alto cargo, o mais elevado a que alguém, poucos, podem aspirar no Judiciário. E muito menos tem cabimento ético que o relator do processo seja um dos nomeados pelo réu. A insuspeição do julgador é a base da justiça. E por isso mesmo tem que ser protegida de todas as hipóteses que possam comprometê-la, mesmo que só hipoteticamente.
O processo de nomeação dos altos magistrados precisa ser reformulado. A escolha individual do presidente da República é exorbitante. A "sabatina" pelo Senado não a torna menos individualista, autoritária e, assim, comprometedora do sentido de justiça e, como poder independente, da Justiça.
Agora mesmo tivemos uma nomeação que expõe, mais uma vez, toda a precariedade do processo. Quaisquer que sejam os saberes jurídicos do ex-ministro Maurício Corrêa, certo é que ele vem de ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal porque amigo do presidente Itamar Franco. Sua sabatina pelo Senado, sendo ele próprio ainda senador, não poderia ser mais do que um faz-de-conta. E, no entanto, tratava-se de conceder uma de apenas onze togas autorizadas a decidir as mais graves causas judiciais do país.
O atual julgamento no STF está emitindo muito mais sentenças do que haverá em sua sentença sobre Collor e PC Farias. Tudo ali merece muito mais atenção do que tem recebido.

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