São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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Estabilização sem atalhos enganosos

ANTONIO KANDIR

Na antevéspera da posse do presidente eleito, duas considerações se impõem quanto ao Plano Real que, nascido e conduzido por sua determinação, acabou por levá-lo ao cargo máximo da República: 1) em grandes linhas, foi o melhor plano possível até aqui; 2) há ainda um longo caminho a percorrer, com uma bifurcação pela frente.
Nas circunstâncias políticas em que nasceu o processo de estabilização, optou-se corretamente por emprestar-lhe as características de um "plano ponte", firme o suficiente para derrubar a inflação e angariar a confiança do público e flexível o bastante para postergar algumas decisões-chave para o novo período presidencial, quando, apostava-se, seriam muito favoráveis as condições políticas para a estabilização da economia.
Bafejado pela sorte de um imprevisto escândalo do Orçamento, que enfraqueceu as resistências do Congresso e abriu a oportunidade de implementação do ajuste fiscal de emergência, o plano contou ainda com o comando virtuoso de FHC, que soube aproveitar a oportunidade aberta pelo escândalo e demonstrou coragem ao dar consequência prática ao engenhoso mecanismo da URV.
O real cumpriu assim, brilhantemente, seus objetivos intermediários: derrubou a inflação, conquistou grande adesão social à meta de estabilização econômica e criou condições políticas favoráveis à recuperação definitiva da confiança na moeda nacional.
Agora cumpre consolidá-lo. Uma alternativa seria adotar a plena conversibilidade do real e estabelecer paridade fixa entre a moeda nacional e o dólar.
A tentação de adotar a alternativa da plena conversibilidade com taxa de câmbio fixa está em que ela supostamente permite, ao subordinar a variação da quantidade de moeda nacional à variação de divisas fortes em poder do Banco Central, contornar os obstáculos políticos inerentes à sempre complicada reorganização institucional da gestão monetária e fiscal.
Com esse artifício imagina-se obrigar o governo e as forças políticas à disciplina fiscal necessária à sustentação da paridade cambial.
Superestimam-se os ganhos de curto prazo ("choque de credibilidade") e minimizam-se os efeitos negativos a prazo mais longo: perda de competitividade exportadora, alta dependência do afluxo de capitais externos, concentração do investimento nos setores em que já existem vantagens comparativas consolidadas, inibindo o "upgrading" da estrutura industrial.
Mais grave: obscurece-se o fato de ser altamente provável que, frente aos desequilíbrios acumulados pela sustentação da paridade cambial e sendo inescapável o ajuste fiscal, tenha-se de fazê-lo, mais à frente, em condições políticas bem menos promissoras e com um custo social mais elevado.
O caminho da reorganização institucional não é capaz de produzir choque similar de credibilidade. Passa por mudanças estruturais, muitas de natureza constitucional, que dependem de negociação, mas é o único caminho consistente em nossa ainda relativamente fechada economia.
E hoje existem as condições políticas para marchar com êxito nessa direção. Seria um crime desperdiçar essa oportunidade.
O Presidente da República –eleito com 54% dos votos, com aliados nos principais governos dos Estados e em vias de construir sólida base de apoio no Congresso– tem compromisso firmado com a luta antiinflacionária.
Acresce termos uma sociedade que majoritariamente rejeita qualquer ruptura com a estabilidade alcançada, tendo-o demonstrado nas urnas com inequívoca clareza.
A hora, portanto, é agora. Trata-se de aproveitar, com coragem e virtude política, a fortuna de contar com condições favoráveis para enfrentar de frente a tarefa essencial e inescapável de reorganizar financeira e administrativamente o setor público.
Sem isto, não haverá consolidação da estabilidade econômica, retomada sustentada do desenvolvimento e melhoria contínua da qualidade de vida dos brasileiros.

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