São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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O presidente eleito, políticos e economistas

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No seminário "O Brasil e as Tendências Econômicas e Políticas Contemporâneas", o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso reagiu às preocupações do economista Paulo Nogueira Batista Jr. quanto ao futuro do plano de estabilização.
Estava em discussão o problema da valorização do real e de seus efeitos sobre o desempenho da economia. O presidente eleito deixou claro que estará sempre disposto a corrigir as loucuras dos funcionários da "Ciência Triste", impedindo que suas heróicas abstrações causem (muito) dano à sociedade.
Alguém há de achar estranho que o presidente eleito tenha, em sua fala, procurado reforçar um ponto tão óbvio como este, ou seja, o da predominância expostamente conferida, na democracia, à decisão política no confronto com a razão técnica. Outra atitude não se poderia esperar de um político que, além disso, é homem de saber.
E, nesse conflito, tombaram muitos cadáveres de reformistas que ousaram transgredir a lógica implacável dos processos impessoais e abstratos, característicos do mercado.
Essas considerações podem parecer impertinentes tanto para os que apóiam entusiasticamente o plano do governo quanto para os que pretendem substituí-lo por outro.
Os primeiros não podem deixar de atribuir o sucesso da estabilização rápida às virtudes de suas lideranças políticas e de sua "inteligência". Os demais imaginam que estas virtudes e saberes deveriam estar a serviço de causas mais nobres e humanitárias.
Sem desfazer das virtudes e das esperanças, não custa nada prestar atenção à surpreendente uniformidade dos procedimentos de reforma econômica e social na América Latina e no resto do mundo.
Se ainda estivéssemos no tempo dos dinossauros, seria legítimo suspeitar que um grande cérebro ou uma conspiração imperialista engendraram e continuam a engendrar as transformações das economias e das sociedades.
Como, graças aos céus, deixamos estes tempos para trás, estamos sendo ensinados que semelhante homogeneidade de práticas e de pontos de vista só pode significar, após tantos desencontros, o encontro do caminho da verdade.
No caso concreto da política de estabilização, particularmente o uso da valorização cambial como instrumento da desinflação rápida, a fala do presidente eleito Fernando Henrique parece sugerir que haverá uma bifurcação nos caminhos da verdade.
A intervenção da política será capaz de evitar as consequências indesejáveis ocorridas em outras economias, como as do México e Argentina. Consequências que vão da perda de competitividade da indústria à ampliação dos investimentos que contrariam em vez de ajudar as pretensões da integração internacional da economia, dada a sinalização perversa das taxas de câmbio e de juros.
Mesmo aqueles que compreenderam a natureza do plano econômico e reconhecem que, nas circunstâncias brasileiras, seria inevitável o uso de uma âncora nominal poderosa, mesmo estes hão de concordar que a insuficiência do ajuste fiscal e a consequente sobrecarga de apreciação do câmbio e de elevação dos juros podem acarretar irreversibilidades trágicas.
Em muito pouco tempo, diante da combinação (esperada) entre câmbio e juros ocorrerá, como vem ocorrendo na Argentina e no México, uma intensa dolarização de passivos, contaminando famílias, bancos e empresas.
Não se trata, portanto, de que a política em curso altera apenas as proporções e o sentido dos fluxos de exportações, importações e do investimento. Ela produz, na verdade, uma alteração na composição dos estoques financeiros.
Isto, sem dúvida, transforma uma fração importante da sociedade em inimiga feroz de qualquer correção cambial. Sem falar da massa de consumidores, em particular dos que se deleitam com as quinquilharias adquiridas pelo facilitário dos Correios. (Um crítico bem-humorado já sugeriu, em tempo, que o Ministério da Indústria e do Comércio, sem função, deve ser substituído pelo Ministério dos Correios).
Pois o problema maior da execução do plano de estabilização é o da criação cumulativa de "irreversibilidades" na economia e nas expectativas da sociedade. Irreversibilidades que tornam cada vez mais difíceis a ação corretiva da política e dos políticos, que correm o risco de, mais uma vez, suportar a responsabilidade do fracasso.
Não se pode negar que a posição do presidente eleito é dramática. Ele precisa continuar infundindo confiança e sucesso ao plano econômico. O destino destes planos de estabilização depende, de forma crucial, de credibilidade e de confiança.
Mas reforçar a adesão da população significa também aprofundar as distorções já discutidas, dadas as condições iniciais que presidiram a implantação da reforma monetária e cambial.

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO, 52, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas) e assessor especial de assuntos internacionais do Estado de São Paulo (governo Fleury). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo José Sarney) e ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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