São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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Demagogia sem moradia

ROBERTO CAPUANO

Em cada R$ 1.000 investidos na produção de habitações para baixa renda, apenas 20% retornam aos cofre públicos, seja através da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) ou da CEF (Caixa Ecônomica Federal).
Retornam em tese, pois o índice de inadimplência é alto e ninguém retoma casas populares. Na prática, as populares são quase dadas de presente.
Presente maior recebe quem as constrói. Os custos de produção são altos, divididos entre generosos gastos para corrigir terrenos ruins e construção de duvidosa qualidade. Quem as constrói não investe.
Recebe o dinheiro público e produz a moradia. O problema de comercialização e inadimplência não é do produtor. É das entidades que distribuem as unidades, ou seja, é nosso.
Essas moradias são distribuídas geralmente por critério de cacife político e não atendem necessariamente as regiões mais carentes.
A política da casa própria para a baixa renda, além de cara, permite espertezas e privilégios e contém uma grave distorção, pois, na verdade, a sociedade dá as casas de presente.
Como não há tanto dinheiro, a produção é pífia em termos quantitativos e sequer roça o problema do déficit habitacional.
A locação social é a solução para o problema. Seu conceito é simples. O inquilino paga 25% de sua renda familiar, seja ela qual for –normalmente, de dois salários mínimos. O locador recebe em torno de 0,5% ao mês sobre o capital investido. O governo paga e recebe e banca a diferença.
Tomando-se por base 1 milhão de moradias ao custo inflado de hoje, esses imóveis custariam aos cofres públicos US$ 10 bilhões. Bancando apenas a diferença, o governo gastaria US$ 240 milhões/ano.
Na verdade, não gastaria, pois a geração de impostos diretos (sem contar os periféricos aderentes a produção de unidades) não seria inferior a US$ 1 bilhão para calcularmos o mínimo, praticamente à vista. Mas existem recursos? De sobra. Somados SFH (Sistema Financeiro de Habitação), FGTS e Fundos de Pensão têm mais de US$ 70 bilhões. E todos os três não só têm vocação, mas obrigações sociais evidentes.
Tomando por exemplo os Fundos de Pensão, onde 70% dos recursos são estatais, vamos verificar que produzindo esse tipo de habitação –em vez de shoppings ou edifícios inteligentes– teriam uma renda mensal, uma valorização direta do valor da coisa feita e uma valorização a longo prazo pelo crescimento do entorno.
Empresas, prefeituras, sociedades mistas podem produzir essas unidades, tornando-se proprietárias depois de 16 anos em média, financiadas pelo SFH ou FGTS.
Vantagens evidentes. Cerca de 500 mil empregos diretos, ativação da indústria imobiliária, erradicação de favelas separando o trabalhador do bandido que não tem carteira de trabalho, e terminando a idolatria da infância pela marginalidade que domina as favelas, mais saúde, mais segurança, criação de centros comunitários.
Uma solução barata, utilizando recursos disponíveis mas mal-utilizados, que tem sido ignorada pelos governos. Com o novo perfil dos futuros dirigentes do país há grandes chances de ser implantada.
As preocupações sociais do novo governo não são demagógicas, e a equipe que está sendo formada tem mostrado pelo currículo ser imune a lobbies e grupos de interesse que combaterão com apetite a adoção do sistema para evitar a perda de uma rendosa sinecura.

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