São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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Os curto-circuitos do poder democrático

CLOVIS BUENO DE AZEVEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No país em que as "antenas parabólicas" atestam o inescrupuloso uso privado do poder público, refletir acerca de como (re)construir a democracia, mais do que nunca, é dever de todo cidadão responsável.
"O Circuito do Poder", do cientista político e secretário da educação estadual paulista, Carlos Estevam Martins, traz importante contribuição para referida tarefa.
Reunindo escritos que compõem sua tese de livre docência, o livro tem instigantes reflexões a respeito de três temas fundamentais da política: a democracia, a participação e a descentralização.
O texto se inicia com a proposição de que há correspondência entre a teoria que se adota a respeito da democracia e o juízo que se faz sobre o homem. Desconfiam da viabilidade ou do alcance da democracia os céticos quanto às capacidades do ser humano. Ao contrário, crêem na possibilidade da plenitude democrática os que definem os homens como capazes de superar limites.
Uma das teses centrais, embasada em Hannah Arendt, Ernest Barker e John Dewel, é que ao ideal democrático genuíno associa-se indissoluvelmente a participação. A autêntica democracia requer cidadãos ativos, co-responsáveis pelo governo da sociedade de que fazem parte. Por outro lado, o ideal democrático abastardado, defendido por Schumpeter, Michels e Gabriel Almond, em nome de suposto realismo, afirma que o cidadão ideal constitui raridade. A democracia não pode (ou deve) ser mais do que um método para escolha de governantes, dentre as elites.
A aposta na participação não implica, todavia, a substituição da democracia representativa –como muitas vezes pretende a esquerda, e tampouco a rejeição do sistema partidário. O funcionamento adequado, a correção das imperfeições do "círculo do poder" (composto pelo sistema representativo, pelo aparelho do Estado e pela intervenção governamental) requer, de um lado, a complementaridade entre participação e representação; de outro, o reconhecimento de que os partidos são indispensáveis para a democracia. A democracia genuína exige cidadãos duplamente participativos: na política e nos partidos. Só assim pode-se enfrentar o uso privado do que é público.

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