São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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O plástico invade a eletrônica

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Um televisor portátil, dobrável e lavável não está longe das prateleiras das lojas. Cientistas desenvolveram este ano os primeiros transistores de plástico, primeiro passo para construir tais máquinas.
"Vivemos a aurora de uma nova geração eletrônica", diz à Folha Francis Garnier, do Laboratório de Materiais Moleculares do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.
Foi Garnier quem apresentou em setembro na revista "Science" o primeiro dispositivo capaz de amplificar uma corrente elétrica –um transistor– feito inteiramente de plástico.
Há três semanas surgiu o segundo, desenvolvido pela equipe de Alan Heeger, da Uniax Corporation, empresa da Califórnia (EUA). Heeger publicou seus resultados na última edição de novembro da revista "Nature".
Apenas uma semana depois, a " Nature" apresentou novos componentes eletrônicos à base de plástico, feitos na Suécia por pesquisadores da Universidade de Linkõping e da Universidade de Tecnologia Chalmers.
As aplicações dessas descobertas podem ser praticamente ilimitadas. Garnier prevê que aparelhos eletrônicos poderão ser projetados " à la carte", conforme o gosto do freguês:
um computador flexível e à prova d'água, para dobrar e guardar no bolso como um lenço;
cartões de banco inteligentes, com memória e funções programáveis, e melhor interação com os caixas automáticos;
carros ou aviões com velocímetro, mostrador de gasolina e instrumentos e mapa do trajeto no pára-brisas –que nem por isso deixa de ser transparente.
"Isso necessita evidentemente de uma eletrônica compatível", diz Garnier.
" Por isso tem havido nos últimos anos grande demanda nos setores industriais por transistores flexíveis e transparentes."
Mas até o início da década esse tipo de componente eletrônico era considerado pura ficção científica.
Os melhores materiais orgânicos capazes de conduzir eletricidade eram plásticos com eficiência 100 mil vezes inferior à do silício, normalmente usado nos transistores.
Então, em 1990, uma equipe da Universidade de Cambridge (Reino Unido) conseguiu obter um componente eletrônico orgânico bem mais eficiente. Aos poucos sua eficiência foi melhorando até se tornar comparável à do silício.
O componente desenvolvido no Reino Unido foi o chamado diodo emissor de luz (mais conhecido como LED), dispositivo que transforma corrente elétrica em luz colorida.
Numa tela de computador convencional, por exemplo, as figuras vistas são compostas por minúsculos pontos luminosos. Cada um desses pontos é um LED.
A corrente elétrica que alimenta cada LED da tela passa antes por transistores, que funcionam como uma espécie de interruptor –acendendo ou apagando a luz.
Para construir uma tela flexível são necessários LEDs e transistores minúsculos e flexíveis. Atualmente isso já é concebível no papel, diz o francês que obteve o transistor de plástico.
"Conseguimos um transistor feito exclusivamente de materiais orgânicos, flexíveis e transparentes", explica. Seu transistor é composto por moléculas chamadas polímeros.
Polímero é uma molécula semelhante a uma fila, composta por uma sucessão de unidades menores, conhecidas como monômeros. Cada monômero na fila tem em geral pelo menos um átomo de carbono.
São polímeros praticamente todos os plásticos, chamados pelos químicos por nomes estranhos como poliestireno, poliuretano ou polietileno.
"Encontramos uma nova classe de polímeros que têm praticamente as mesmas características condutoras do silício", diz Garnier. "São plásticos que conduzem bem eletricidade."
Para isso, foi necessário um trabalho de cooperação entre químicos e físicos. "Perdemos muito tempo até que uns falassem a língua dos outros", brinca Garnier.
Enquanto químicos tentam sintetizar materiais com melhores propriedades condutoras, físicos tentam decifrar a configuração dos átomos e entender como a eletricidade atravessa o polímero.
Entre os monômeros dispostos lado a lado, eles distinguem dois tipos de ligação: fraca ou forte. Na ligação forte há poucas chances de cargas elétricas (ou elétrons) se libertarem.
Na ligação fraca, porém, elétrons ficam em "nuvens" em torno das moléculas. Como essas nuvens se interpenetram, fica mais fácil fazer uma carga viajar entre duas moléculas.
"É isso o que explica o transporte eficaz. Uma vez que se tem um material que transporta elétrons facilmente, são aplicadas técnicas de eletrônica para obter os transistores", diz Garnier.
O transistor de Garnier tem estrutura semelhante à do convencional de silício. Ele foi produzido com técnicas semelhantes às de impressão. As camadas de plástico do transistor são impressas umas sobre as outras.
Já o norte-americano Heeger se inspirou nas antigas válvulas para produzir seu transistor. Ele fez uma espécie de sanduíche de polímeros e metais.
O polímero que fica no meio do sanduíche controla o fluxo de cargas entre os dois outros. Ele desempenha papel semelhante ao da grade que existe nas válvulas.
Com essa estratégia, Heeger acabou conseguindo componentes de menor tamanho.
Embora Garnier aposte na miniaturização de seu componente através das técnicas de impressão, ele considera que ambos os tipos de transistor devem coexistir na eletrônica do plástico.
"Não penso que haverá um único componente para resolver todos os problemas", diz o francês.

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