São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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Agenda para um Congresso transparente

Proponho um conjunto de reformas que invertem o sistema de poder no interior da Câmara
JOSÉ GENOINO
Pela primeira vez na história parlamentar brasileira a disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados tende a refletir não apenas nomes, mas propostas de reformas do Parlamento como uma das condições do funcionamento do sistema político no seu todo.
Com efeito, o desempenho eficaz da governabilidade democrática depende, em grande medida, da capacidade operativa da instituição parlamentar. Nossa experiência democrática recente mostra que a precariedade de funcionamento do Parlamento vem comprometendo o desempenho do sistema político.
Mesmo sendo a instituição política mais imprescindível à democracia representativa, o Parlamento é também o poder mais criticado, ao menos no Brasil. E isto não se deve apenas ao fato de que os resultados da ação parlamentar são menos tangíveis, por exemplo, do que os resultados da ação do Poder Executivo. Mas deve-se, em parte, à prevalência dos interesses fisiológicos e corporativos e, em parte, ao anacronismo dos mecanismos de funcionamento do Congresso, da Câmara e do Senado.
Submeter a atividade parlamentar a intensa competição, como as bancadas do PT e outros parlamentares vêm fazendo, e propor um programa de reformas profundas de todas as casas legislativas do país parecem ser dois remédios que podem levar estas instituições à modernização e à eficiência.
Com o intuito de produzir a modernização da Câmara dos Deputados proponho um conjunto de reformas que têm como sentido geral inverter o sistema de poder no interior da Casa.
Isto consiste em retirar o poder que hoje se concentra na Mesa diretora, no colégio de líderes e na alta burocracia para transferi-lo para o plenário, para as comissões e para os deputados. Exponho a seguir alguns pontos do programa de reformas que defendo para a Câmara.
Definição antecipada e ampla divulgação da pauta de discussões e votações – Nem os deputados podem ingressar no plenário sem saber o que irão decidir e nem a sociedade pode ser surpreendida com decisões de que não tinha conhecimento prévio.
A definição antecipada e a divulgação da pauta é uma medida que visa conferir à ação parlamentar maior racionalidade e a publicidade essencial a um processo legislativo democrático.
Na tramitação dos projetos de lei devem ser fixados prazos rigorosos, findos os quais a matéria entrará automaticamente em pauta.
Separar a realização das sessões do plenário e das comissões em dias diferentes – Esta medida, além de racionalizar os trabalhos, evita a sobrecarga e o esvaziamento provocado por sessões legislativas simultâneas. Deve ser instituída a presença obrigatória, tanto no plenário como nas comissões, com mecanismos punitivos para os faltosos.
Para que a presença em plenário e nas comissões seja assegurada é preciso definir dias certos de funcionamento dessas instâncias. Duas alternativas podem ser examinadas como dias de presença obrigatória na Casa: a) nas terças, quartas e quintas-feiras, ou b) de segunda a sexta-feira, três semanas por mês.
Qualquer uma das alternativas garante um tempo disponível, como ocorre em outros países, para que o parlamentar possa visitar e trabalhar junto às bases que representa ou desenvolver atividades junto a grupos sociais.
Redução do número de comissões de treze para nove – Esta medida também racionaliza o processo legislativo. Agregadas às nove comissões permanentes é necessária a criação de uma Comissão de Direitos Humanos e uma Comissão de Fiscalização e Controle.
A primeira é destinada a representar a Câmara dos Deputados na ação em defesa dos direitos e garantias individuais. Uma das mudanças mais importantes da Câmara diz respeito à criação de uma comissão permanente de fiscalização e controle com capacidade de investigação interna e externa.
A Câmara (e o Congresso), a rigor, não organizou sua atividade fiscalizadora. De um modo geral, limita-se a investigar aquilo que surge como denúncia na imprensa. Isto é insuficiente para uma instituição cuja uma de suas razões de ser é a de fiscalizar o poder público.
Mudanças na maneira de debater e elaborar o Orçamento da União – Aqui, entre outras mudanças, é necessário reduzir as possibilidades de emendamento do Orçamento, a fim de coibirem-se emendas de caráter fisiológico ou clientelista.
A proposta orçamentária deve ser definida em função de projetos e programas relacionados às diretrizes nacionais de desenvolvimento, eliminando-se assim interesses meramente eleitorais.
Na elaboração do Orçamento deve se garantir também um caráter participativo, instituindo audiências públicas tanto com os setores da sociedade interessados como com os ministros de cada área da dotação orçamentária.
Reforma administrativa – Entre as várias medidas de reforma administrativa da Casa, destaco duas. Primeira: deslocamento das funções da maior parte da burocracia da Casa para o trabalho no processo legislativo com a eliminação do poder da alta cúpula burocrática.
Segunda: criação de mecanismos de divulgação de todas as atividades do Congresso como projetos, emendas a projetos, emendas ao Orçamento, obras da Câmara, contratações etc. Todas essas atividades podem ser informatizadas, o que facilitará que qualquer pessoa jurídica tenha acesso a essas informações.
Por fim, para garantir a transparência nas atividades no Congresso Nacional, proponho a regulamentação da atuação dos grupos de pressão que lá atuam, por meio do seu cadastramento, identificação de seus agentes, inclusive pessoas jurídicas e controle de suas atividades.
Há, contudo, medidas que ajudariam a modificar a imagem do Congresso cuja adoção depende de mudanças constitucionais. Destaco o fim da imunidade parlamentar para crimes comuns, a adoção do voto facultativo, a mudança da proporcionalidade dos Estados, o voto distrital misto e a regulamentação do uso da medida provisória.
Acredito que a adoção das mudanças aqui sugeridas e de outras será decisiva para elevar a atividade parlamentar à altura da responsabilidade que a sociedade exige.

JOSÉ GENOINO, 47, é deputado federal pelo PT de São Paulo e candidato à Presidência da Câmara dos Deputados. Foi líder do partido na Câmara (1991).

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