São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 1994
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MIRA, LOS PARALAMAS!

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Era um sábado encalorado e a praia de Ipanema estava lotada. Seria corriqueiro, no verão carioca, não fosse pelo horário: oito da noite. Nas proximidades do Jardim de Alah, fronteira com o bairro do Leblon, um enorme palco erguia-se da areia. Diante da multidão, escoltado pelos amigos João Barone, na bateria, e Bi, no baixo, e secundado por um naipe de metais, percussão e teclado, Herbert Vianna empapava de suor a camisa social branca, guitarra em punho, desfiando sucessos dos Paralamas.
"Foi um dos shows mais marcantes da minha vida", diria ele na manhã seguinte, em sua agradável casa no Recreio dos Bandeirantes, a quase uma hora da zona Sul do Rio, de bermudas, óculos escuros e uma taça de chardonnay australiano suando nas mãos.
Naquele sábado, 26 de novembro passado, Herbert viu na platéia um espectador especialíssimo: seu filho Luca Benedict Needham-Vianna, 2, resultado do casamento com Lucy, uma inglesa que conheceu no Rio, quando ela rodava um documentário para a BBC.
Era uma série com indicações turísticas de diversas cidades do mundo, voltada para o público jovem. Em busca de uma trilha sonora para o filme, Lucy acabou deparando-se com Herbert. "Quando a vi, cutuquei o Bi e disse: vou me atirar!", lembra o marido.
Atirou-se e os dois casaram na Inglaterra, na propriedade dos sogros, onde está plantada uma casa mais antiga do que a descoberta do Brasil. Quem viu a primeira cerimônia do filme "Quatro Casamentos e um Funeral" pode ter uma idéia da festa –cujas fotos preenchem um simpático álbum familiar.
No show de Ipanema, Lucy teve que conter Luca, quando percebeu o pai cantando e tocando guitarra: "Ele ficou surpreso e queria subir no palco", conta, num português com mais sotaque carioca do que inglês.
Aquela foi uma semana muito especial para Herbert. Às vésperas do show, ele havia travado um tête-à-tête com o maior mito de sua adolescência, o guitarrista Jimmy Page, do grupo Led Zeppelin. "Estava muito tenso quando fui ao encontro. Mas ele foi muito tranquilo e me deixou à vontade. Conversamos, mostrei para ele minha guitarra, com uma afinação especial, e o papo decolou".
Os Paralamas do Sucesso, que se apresentam no próximo fim-de-semana no Palace, em São Paulo, começaram a decolar há dez anos. No verão de 1983, uma faixa registrada numa fita semi-amadora foi o hit da rapaziada carioca, que não desgrudava os ouvidos da lendária rádio Fluminense, uma emissora alternativa, pioneira na difusão do novo rock brasileiro.
A música era "Vital e Sua Moto", que até hoje, esporadicamente, pode ser ouvida em FMs e ainda é uma das mais esperadas pelos fãs nos shows da banda. A profecia da letra se cumpriu: os Paralamas rapidamente deixaram o circuito alternativo para tocar na capital.
Hoje, com uma sólida carreira construída, o trio dedica-se à conquista de novos territórios. Além dos shows que semeiam nos palcos da Europa e Estados Unidos, Herbert, Bi e Barone já colhem uma supersafra na América Latina. O primeiro grande estouro fora do país aconteceu na Argentina.
Os Paralamas são hoje tão reconhecidos nas ruas de Buenos Aires quanto nas do Rio. Com a diferença de que, na terra de Fito Paez, têm muito mais fãs em shows e nas lojas de discos do que por aqui. Chamados de "a banda argentina mais conhecida no Brasil", eles chegaram recentemente a reunir 110 mil pessoas em quatro apresentações no país.
"Severino", praticamente ignorado pelas rádios brasileiras, já é disco de ouro no Uruguai e no Chile e de platina na Argentina. O clipe da música "Dos Margaritas", que é exibido pela MTV Brasil, atingiu o terceiro lugar na MTV Latina, gerada em Miami para os países de língua espanhola.
No momento, o principal alvo de "los 3 amigos" é o México –onde o novo CD acaba de ser lançado. "É um grande mercado", empolga-se Herbert. Mais do que isso: "É a chave para o mercado latino nos Estados Unidos, e uma porta para o mercado americano em geral".
A expressão "mercado latino" costuma provocar urticária na crítica brasileira. Embalados, em outros tempos, por boleros, salsas, rumbas e tangos, os brasileiros passaram a nutrir uma estranha desconfiança em relação a tudo que se refere aos vizinhos espanhóis.
"Há um enorme preconceito, um absurdo", diz Herbert, que já chegou a pensar em morar uma temporada em Buenos Aires. "A Argentina é um país com 7% de analfabetismo e tem uma grande cultura; é a terra de Cortázar e de Borges, mas as pessoas ou não sabem ou não se dão conta disso."
Ele acredita que boa parte do ar de desprezo em relação à cultura latino-americana está relacionada à revolução socialista de Cuba. "A partir da revolução, tudo que dizia respeito à Cuba, à salsa, ao tipo latino, passou a ser visto como cafona e relegado a segundo plano, em favor de modelos americanos."
De alguma forma, o preconceito começa a se quebrar, com auxílio de coisas como o lançamento do CD latino de Caetano Veloso e inúmeras referências ao espanhol no cenário pop internacional, de Madonna a Melow Man Ace. Herbert diz que, apesar da resistência aparente, "milhares" de grupos brasileiros entraram em contato com os Paralamas pedindo para abrir shows da banda em Buenos Aires.
"E não aconteceu nada com esses grupos. A verdade é que só três artistas brasileiros fazem sucesso hoje no mundo latino: Roberto Carlos, Daniela Mercury e nós." Mas e o "gigante da canção", Nelson Ned? "Ele é um fenômeno mexicano, mais localizado. O cantor da banda número 1 do México, que se chama Los Caifanes, virou pra mim e perguntou: 'Nelson Ned é realmente brasileiro?' Ele não acreditava."
No início do ano, a trinca fará uma longa turnê mexicana. Vai tocar em diversas cidades, em lugares pequenos ou médios. Será uma tacada importante, dentro da "estratégia latina" do grupo. "Conheço bandas argentinas que fizeram este caminho e hoje se apresentam para 5 mil pessoas nos Estados Unidos", diz Herbert. Portanto, se depender da vontade dos três amigos, em breve os Paralamas do Sucesso vão tocar em novas e cobiçadas capitais.

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