São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 1994
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Norte-americanos reconhecem papel do Brasil

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Ao terminarem, sábado, as sessões de trabalho da Cúpula das Américas, o "xerife" do comércio norte-americano, Mickey Kantor, procurou o vice-chanceler brasileiro, Roberto Abednur, e disparou:
"Se não fosse o Brasil, não haveria documento final".
É uma frase que vai muito além do protocolo e tem enorme carga simbólica: foi exatamente em torno do comércio que se construíram divergências importantes entre Brasil e Estados Unidos, que acabam de ser dissolvidas na Cúpula.
O próprio presidente Bill Clinton, na entrevista coletiva de ontem, reconheceu que os dois países haviam tido diferenças no passado e fez questão de agradecer ao presidente Itamar Franco por "ter nos ajudado a agir em conjunto".
Tais reconhecimentos expressam uma realidade que já havia sido captada por "The Wall Street Journal", um dos mais influentes e bem feitos jornais do mundo, na edição de sexta-feira.
Antes de Clinton e Kantor, o jornal já afirmava que um eventual êxito da Cúpula deveria ser creditado ao diálogo entre Brasil e EUA, durante as negociações para a redação dos documentos finais.
O reconhecimento norte-americano, de todas formas, não se deve a uma eventual capitulação da diplomacia brasileira ante posições norte-americanas, sejam quais forem as posições mais corretas.
A Folha relatou como o Itamaraty foi decisivo para evitar que os textos fizessem um vínculo direto entre integração comercial e direitos trabalhistas ou meio ambiente.
Outro exemplo significativo: o texto original americano eliminava o conceito de "não-intervenção" nos assuntos de outros Estados. Abednur, o negociador brasileiro, disse claramente que essa formulação significaria implodir a cúpula. Ela sumiu do texto.
O redescoberto papel de liderança do Brasil se deve a um conjunto de fatores, a saber:
1 - O próprio peso do país, um enorme mercado, embora hoje mais virtual do que real. O embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Sardemberg, lembra que, se o Brasil crescer 5% ao ano em dois anos consecutivos, terá crescido "um Chile inteiro".
2 - A circunstância de ser o Brasil o presidente de turno do Grupo do Rio, conjunto político de países latino-americanos, e por isso o negociador dos documentos.
3 - A consolidação do Mercosul. Além de tornar o mercado do Cone Sul mais atraente, serviu para chamar a atenção para o potencial brasileiro. Empresários que iam, por exemplo, à Argentina, atraídos pela estabilização, não tinham dificuldades em verificar que um país imensamente maior seria um mercado muito mais suculento.
4 - A capacitação técnica da diplomacia brasileira. O Itamaraty é, talvez, o único reduto da burocracia com quadros de carreira na média bem preparados e de nível internacional, o que é reconhecido por quase todas as chancelarias do mundo desenvolvido.
Por tudo isso, FHC sequer se surpreendeu ao ser informado do elogio de Clinton, durante a sua coletiva. (Clóvis Rossi).

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