São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 1994
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BIG RICHARD O RAPPER INTELECTUAL

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Na guerra instalada em São Paulo entre rappers e policiais, o carioca Big Richard ocupa um lugar especial: ele não é muito querido nem pelos rappers nem pelos policiais.
Big Richard não fala muito de seus colegas músicos, mas acha que eles são "bairristas" e que está sendo discriminado por outros rappers pelo fato de ser um carioca morando em São Paulo.
Mais à vontade quando o assunto é polícia, Big Richard diz que os policiais que o prenderam durante um show no Anhangabaú, em 15 de outubro, agiram à margem da lei. "Se eles não gostam da minha música, eles tem que entrar na Justiça e me processar".
Aos 21 anos, Big Richard é casado e tem um filho de três meses, chamado Kayodê (em iorubá, significa, segundo ele, "aquele que veio trazer alegria").
No início de 95 deve sair o seu primeiro CD, "Reparações Jah", pela Radical Records. Abaixo, trechos de entrevista à Folha.
Folha – O que há de errado com a polícia?
Big Richard – Olha, até existem exceções, mas 90% da polícia é complicada.
Folha – Complicada?
Big Richard – É. Tem culpa na praça. Quando a gente aponta uma coisa errada na polícia, não estamos fazendo isso como subversivos, como se dizia antigamente, mas como cidadãos.
Folha – O que você propõe para melhorar a polícia?
Big Richard – O policial ganha um salário ridículo para entrar em favela. Ninguém quer ser polícia. E os que são policiais são mal preparados.
Folha – Melhores salários e mais treinamentos, então, seriam as soluções?
Big Richard – Não é só isso. O pessoal costuma dizer que branco pobre e preto pobre é a mesma coisa. Não é. Desde criança, o branquinho lá da favela diz: "Preto só sobe na vida quando anda de elevador". Se ele consegue sair daquele meio e ganha um coldre e um distintivo, ele se sente obrigatoriamente superior ao outro.
Folha – Você apóia a ação do Exército nas favelas?
Big Richard – No Rio, não existe crime organizado, mas Estado desorganizado. O Exército pode não ser uma solução a longo prazo, porque quando eles descerem vai começar tudo de novo. Agora, no curto prazo, não vejo problemas, fora as torturas que eles têm feito.
Folha – É verdade que o seu pai foi assassinado pelo Comando Vermelho?
Big Richard – Meu pai se envolveu com drogas. Era viciado. Se não cai na real, o caminho de todo viciado é a morte. Foi assim que ele caiu. Não tinha dinheiro. Começou a fazer pendura e... foi morto.
Folha – Você estudou?
Big Richard – Tenho o 1º grau completo. Acho que me rebelei cedo demais. Por exemplo, uma vez, na aula de religião, a professora disse que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Aí, eu falei: "Professora. Não entendi uma coisa. Por que 'imagem e semelhança' se eu sou preto, com cabelo duro?" Eu achava bonito, naquela época, cabelo liso. Às vezes, eu repetia de ano por perseguição do professor. Com 13 anos, li "O Capital", de Karl Marx.
Folha – Leu, mas não entendeu.
Big Richard – Entendi, sim. Meu avô era comunista e me explicou.

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