São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Os truques da inocência

JANIO DE FREITAS
OS TRUQUES DA INOCÊNCIA

Os que, jornalistas e advogados, atribuem a absolvição de Fernando Collor à (suposta) fragilidade da acusação de Aristides Junqueira, procurador-geral da República, devem ter examinado toda a argumentação acusatória ou, no mínimo, recolhido informações consistentes e confiáveis a respeito. Não é o meu caso, nem quanto a Aristides Junqueira, nem quanto ao conhecimento de sua acusação a Collor. Mas a responsabilização do procurador-geral me suscita uma constatação e uma interrogação.
Não se sabe de um só corrupto ou corruptor graúdo condenado pelos altos tribunais, embora os escândalos da corrupção sejam um velho prato do dia-a-dia brasileiro. Aristides Junqueira, no entanto, é procurador-geral temporário, no exercício do segundo mandato. Todas as acusações a corruptos, dos tantos procuradores-gerais que antecederam Junqueira, foram então igualmente ineptas? Ou as inocentações têm componentes que independem da forma e do teor da acusação?
Os votos que absolveram Collor adotaram, entre outras argumentações, a não apresentação por Junqueira de um "ato de ofício" caracterizável como corrupção. Ou seja, a acusação não incluía qualquer ato de governo assinado por Collor, como presidente, com motivação imoral. Logo, Collor não fizera uso condenável da Presidência.
Ora muito bem, e se um presidente, governador, prefeito ou ministro recebe uma bolada exatamente para não assinar determinado ato? Deixou de haver corrupção por não haver o "ato de ofício"? No entender dos doutores supremos do Direito que absolveram Collor, sim. E no seu? Se você não sabe que este tipo de corrupção já aconteceu muitas vezes, saiba pelo menos que três ministros do Supremo acharam descabida a exigência da prova de um "ato de ofício" –Néri da Silveira, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.
A exigência de "ato de ofício" para a condenação foi o que chamam de uma tecnicalidade, um procedimento adotado em nome de minucioso rigor na aplicação técnica do Direito e, no fundo, não mais do que um malabarismo para manipular a acusação, a defesa ou a sentença.
O recurso a tecnicalidades não tem limites, pode ser levado ao infinito. No caso de julgamentos, portanto, torna possível "fundamentar" a sentença de acordo com o desejo prévio do julgador. Quando, ocasionalmente, isso acontece nas primeiras instâncias de julgamento, os recursos a instâncias superiores podem reformar a sentença viciada por tecnicalidades. Se acontecer nos tribunais superiores, a revisão só é possível nos casos raros em que caiba recurso ao Supremo. E se acontecer no Supremo, engula e pronto.
O fato é que não há acusação bem formulada quando, nos tribunais superiores, não há disposição de condenar. Se não for isso, não sei por que no Brasil não há um só corrupto ou corruptor graúdo condenado à cadeia.

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