São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994 |
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Personagem negra faz discurso anti-racismo
ARMANDO ANTENORE
Salvo mudanças de última hora, a cena entra no ar sexta-feira à noite. Zilá (Chica Xavier) estará conversando com o afilhado Kennedy (Alexandre Moreno), que recebeu convite para trabalhar em um "showroom" de bijuterias. O rapaz comenta que talvez não aceite o emprego. "Eu fui lá. Uma loja tão bacana, ambiente elegante... Acho que eu tô meio com medo de não corresponder." Kennedy lembra, então, as ofensas racistas que sofreu recentemente do ex-patrão, o empresário Raul Pelegrini. "Negro safado, negro insolente. Vocês, quando não sujam na entrada, sujam na saída", esbravejou Pelegrini (Tarcísio Meira) há pouco mais de um mês. O empresário acusava Kennedy de roubo. Embora soubesse que se tratava de uma acusação injusta, o rapaz mal reagiu. Na conversa com a madrinha, confessa: "Às vezes, fico achando que não é só o dr. Raul não, tem muita gente que acha que..." Zilá o interrompe, enérgica: "Que negro é inferior a branco?" "Não sei", prossegue Kennedy, "isso tudo fica martelando na minha cabeça. E, na hora de aceitar um trabalho da maior responsabilidade, eu... tô com medo de decepcionar." A madrinha o interrompe novamente e faz um longo discurso contra o racismo: "Olha, Kennedy, eu não tive chance de estudar um pouco como você estudou. Mas eu presto atenção às coisas. Sei que tem muita gente que discrimina sim! Disfarçado, mas discrimina. Falam assim: 'Ela é escura, mas tem cabelo bom', como se o cabelo da nossa raça fosse ruim." "Só a palavra 'escura' já acho meio esquisita. Não gosto quando me chamam de escura nem quando falam que eu sou 'de cor', porque eu não sou lápis. Eu sou negra. E não tenho vergonha nenhuma disso. Não gosto quando vejo negra feito eu fazendo plástica pra ficar com nariz fininho. É a nossa raça! Assim como tem branco, tem negro, tem índio, tem japonês, é tudo igual, tudo gente!" "Nunca deixei safadeza de racista atrapalhar a minha vida. Se você, Kennedy, entrar nessa de complexo, vai estar fazendo o jogo dos safados, dos burros. E eu vou ficar muito decepcionada!" A veemência de Zilá convence o rapaz, que acaba aceitando o emprego e se saindo muito bem. Os autores de "Pátria Minha" escreveram o diálogo para atender reivindicações de grupos que combatem o racismo no Brasil. Quando a Globo mostrou a cena em que Pelegrini ofende Kennedy, organizações como o Geledés, de São Paulo, recorreram à Justiça alegando que a novela estimulou o preconceito racial. Outros grupos preferiram caminhos mais brandos: mandaram cartas de protesto à emissora e à imprensa. As organizações não reclamavam contra os insultos de Pelegrini. Condenavam, sim, o modo como Kennedy reagiu às agressões. A postura "passiva" do rapaz, diziam, feriu a "auto-estima" da comunidade negra. Para os grupos, só havia um jeito de a novela reparar o erro: personagens negros –e não os "mocinhos brancos"– teriam que "conscientizar" Kennedy, incutindo-lhe "orgulho de raça". "Eram reivindicações justas, que decidimos levar em conta", afirma Sérgio Marques, um dos cinco autores de "Pátria Minha". Texto Anterior: Maior festival de reggae tem show extra hoje em SP Próximo Texto: Folha promove hoje discussão sobre papel do Estado na cultura Índice |
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