São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Biografia mostra Elizeth 'underground'

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista e crítico musical carioca Sérgio Cabral, 57, lançou na última segunda-feira a biografia da cantora Elizeth Cardoso (1920-1990). O livro se intitula "Elisete Cardoso, Uma Vida", publicado pela editora Lumiar.
A obra mostra Elizeth como cantora "underground" e de vida difícil. Será lançada em São Paulo dia 19 no bar Vou Vivendo.
É o sétimo volume da obra de Cabral. "Fiz mais um capítulo da minha história da MPB contada por seus principais personagens", diz o jornalista e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio.
Cabral já publicou biografias de Almirante, Tom Jobim, Ary Barroso e Pixinguinha, além de ensaios sobre história do samba.
Mais uma vez, ele teima em escolher uma ortografia controversa do nome de seu personagem. Grafou em 1993 o Ary de Ary Barroso com "i". Desta vez, preferiu a grafia brasileira Elisete. "É bom português e deve ser a grafia definitiva. Ela começou a carreira como Elisete. Chegou a assinar Elizete. Nos anos 60, adotou Elizeth. A língua não pode ser submissa ao arbítrio dos cartórios".
Dois motivos, um estético e outro pessoal, levaram Cabral a escolher Elizeth (grafia adotada pela Folha) como personagem.
O pessoal foi o fascínio pelo temperamento calmo e delicado da cantora, em contraste com uma vida "sempre à beira de um drama", nas palavras do biógrafo. Segundo Cabral, Elizeth teve dificuldades de se afirmar no rádio por preconceito racial. "Ela era mulata e, no Brasil, só depois da Segunda Guerra os artistas mulatos e negros foram mais aceitos."
Elizeth estreou em 1936, mas só se tornou conhecida em 1950. "Nesses 14 anos, levou uma vida de cantora 'underground', trabalhando em dancings, cantando em botequins de artistas pobres".
O fim da carreira da cantora também foi trágico. Enfrentou o câncer e o esquecimento público. "O brasileiro não perdoa que os artistas envelheçam", pensa Cabral. "Elizeth sofreu o esquecimento em vida".
A razão estética encerra posições polêmicas: "Considero-a a maior cantora da música brasileira de todos os tempos. Ela superou Elis Regina porque cantou tudo com sentimento. Elis só foi passar coração no fim da carreira".
Elizeth, analisa o crítico, possuia grande extensão vocal, afinação e técnica perfeitas. "Ela chorava cantando. Ainda assim, gravou muita coisa ruim".
Biógrafo conheceu biografada em 1957. Cabral era estreante. Foi convidado a ver um show da cantora na boate Au Bon Gourmet. "Eu era um cara suburbano. Assisti ao show em lugar de destaque. Foi um impacto. Ela vestia um longo roxo e cantou o tempo todo olhando para mim".
Mais tarde, tornaram-se amigos. "Conheci bastante Elizeth. Mas não sabia que era uma personagem tão interessante". Cabral se surpreendeu ao descobrir a dimensão trágica da cantora. O trabalho durou 15 meses e envolveu entrevistas com cem pessoas, pesquisa em jornais e revistas da época e no arquivo da cantora, doado ao Museu da Imagem e do Som do Rio.
A personagem se revela, segundo o autor, em episódios como o da rivalidade entre ela e Elis. "Havia um clima entre elas na época da TV Record. Contam que Elis falava mal dela. Um dia, Elizeth chegou a dizer à 'pimentinha': 'Você me respeite porque tenho idade para ser sua mãe!' Ainda assim, Elizeth considerava Elis a melhor cantora do Brasil".
O livro conta que em 1986 Elizeth foi visitar o túmulo da rival em São Paulo: "Elizeth foi com duas amigas. Ela se aproximou do túmulo e, durante uma hora, ficou rezando e cantando. Era uma pessoa trágica e simples".
Para Cabral, a ligação da cantora com a música se dava de maneira vital, no cotidiano. "Ela costumava cantar enquanto varria a casa. No fim da vida, talvez por ter descoberto que estava doente, passou a cantar 'Todo Sentimento' (Gustavo Bastos-Chico Buarque). Foi a última música que cantou".
No papel de "psicanalista de botequim", Cabral aponta em Elizeth um complexo de Electra. "Ela tinha paixão por homens altíssimos porque seu pai, Jaime, tinha quase dois metros de altura". Durante a pesquisa, Cabral não encontrou poucas referências sobre a sexualidade da cantora. "Ela sempre foi muito discreta e, apesar de ter vivido no submundo e ter sido uma mulher muito bonita, parece que nunca vendeu o corpo".
O autor faz dele a definição que o cronista Antônio Maria escreveu sobre a cantora: "Elizeth é, sobretudo, uma pessoa fina."

Livro: Elisete Cardoso, Uma Vida
Lançamento: Lumiar Editora, 372 págs.
Onde: Bar Vou Vivendo (r. Pedroso de Morais, 1.017, tel. 011/815-8129)
Quando: 19 de dezembro, às 19h
Quanto: R$ 26,00

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