São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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O papel da importação de veículos

EMÍLIO JULIANELLI

A grande maioria das 580 mil pessoas que enfrentou um trânsito caótico, filas e o calor abafado do Pavilhão de Exposições do Anhembi, para visitar o 18º Salão do Automóvel, tinha como principal objetivo conhecer os carros de outros países expostos nos 28 estandes das importadoras de veículos.
O sucesso dos importados, as grandes estrelas do Salão, não pode ser atribuído unicamente ao fascínio que o novo sempre desperta. A razão é simples e dispensa análises psicológicas.
O consumidor brasileiro, durante 15 anos à mercê da reserva de mercado concedida às montadoras, encontra nos importados o que existe de mais avançado na indústria automobilística mundial. As comparações com os modelos produzidos no Brasil são invevitáveis.
Hoje é difícil acreditar que, há apenas quatro anos, as opções do mercado brasileiro fossem tão ruins e ultrapassadas –consequências diretas da estagnação provocada pela reserva de mercado, extinta em agosto de 1990.
A chegada dos importados, inserindo o Brasil na via de mão dupla do comércio internacional, resgatou as montadoras de um sono profundo e serviu como parâmetro para elas investirem, criarem e reaprenderem a competir. As montadoras passaram a produzir veículos de tecnologia mais avançada e linhas mais modernas, num padrão próximo ao encontrado em países desenvolvidos.
Novos modelos foram lançados em tempo recorde e a produção cresceu de forma vertiginosa: em 1993 atingiu a marca histórica de 1,38 milhão de veículos que será suplantada pelas 1,6 milhão de unidades previstas para este ano.
Ou seja, em vez de encolher o mercado da indústria nacional, os importados desencadearam um processo cujos benefícios podem ser sentidos em toda cadeia produtiva. As montadoras inclusive já anunciaram que pretendem investir US$ 10 bilhões nos próximos anos para atender a demanda. Apesar dessas evidências, há quem insista na tese de que a importação de veículos contribui para o aumento do número de desempregados.
O nível de emprego na indústria automobilística, mesmo com o incremento da produção, mantém-se praticamente estático, a ponto de, no período de dezembro de 1992 a junho deste ano, terem sido criados apenas 936 postos de trabalho. Aumento de produtividade sem um crescimento correspondente do nível de emprego –decorrência de novas tecnologias e novas formas de produção– é um fenômeno que desafia governos e empresários dos EUA, Japão e Europa. Não se trata, portanto, de um fenômeno tipicamente brasileiro.
Nem mesmo a redução da alíquota de importação de 35% para 20% representa perigo para a indústria automobilística nacional e seus empregados. Essa barreira pode chegar a 30% se se levar em conta as despesas inerentes à importação e principalmente o preço do frete, que para veículos de faixas de preço mais baixas equivale a mais de 10% do preço FOB.
Segundo projeções das importadoras oficiais de 30 marcas associadas à Abeiva, estima-se a longo prazo um patamar máximo de 15% na participação dos veículos importados no mercado nacional. Um patamar muito inferior, por exemplo, ao da Inglaterra, onde no ano passado 49% dos veículos comercializados eram importados. No mesmo ano, essa participação atingia 48% na Itália, 39% na França e 35% na Alemanha.
A indústria automobilística, na verdade, poderia aumentar o nível de emprego simplesmente cumprindo o acordo assinado na câmara setorial automotiva, em abril de 1993. Pelo acordo, o governo abriu mão de impostos, os trabalhadores se comprometeram a moderar suas reivindicações e as montadoras dispuseram-se a criar 4 mil empregos. As montadoras não cumpriram sua parte e lançaram no mercado carros "populares" cuja produção fica muito aquém da procura, gerando a cobrança de ágio. Ademais, para gerar empregos, as montadoras poderiam também atender a reivindicação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que pleiteia o fim das horas extras.
As importadoras oficiais de veículos fazem seu papel ao contribuir para que o Brasil se ajuste às exigências da globalização da economia. Em menos de quatro anos de atividade, elas geraram 25 mil empregos diretos, abriram 627 concessionárias em todo território nacional e investiram US$ 3 bilhões. O segmento, que comercializou 55.631 unidades este ano, já conquistou a confiança do consumidor, oferecendo garantia de origem do veículo, manutenção e assistência técnica.
Pretender restringir a importação de veículos significaria restringir direitos adquiridos pelo consumidor e remar contra a maré da economia internacional –decisão temerária no momento em que o Brasil volta a chamar a atenção de investidores de todo o mundo.

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