São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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Governo não é Sorbonne

Completada a indicação dos futuros ministros do governo FHC, anunciada em discurso no Senado uma agenda ambiciosa que conclama a nação a mudar o rumo de sua história, realizado um seminário internacional que reuniu nomes expressivos da reflexão contemporânea sobre a economia e a política, aproxima-se o momento em que será preciso, afinal, governar.
Já está claro que o governo FHC dedicará sempre um carinho e uma atenção especial aos esforços de esclarecimento, persuasão crítica e reflexão. Mas por mais que se pense, já é mais hora de agir. Ou seja, contrariar interesses e corporações, abandonar a retórica vaga, até mesmo insistir em sacrifícios quando a muitos talvez já pareça próximo o momento de deleitar-se no paraíso.
A verdade nua, entretanto, é que nos últimos anos não houve falta de propostas, debates e grandes intenções. No discurso já se percebem até vários consensos. Mas o imobilismo tem sido mais forte, esmagando as tentativas de ruptura.
É oportuno observar o que se tem feito nas empresas privadas, no Brasil e no mundo. Os temas da moda, como reengenharia, "downsizing", terceirização ou quarteirização escondem talvez com algum "glamour" os custos sociais e culturais dessas mudanças. Mas, apesar dos custos, as mudanças ocorrem.
A busca de qualidade e eficiência, em cada empresa, equivale atualmente a um corajoso amadurecimento político, mas também a demissões, eliminação de funções e divisões, requalificação de pessoal e automação em todos os campos.
A formação do ministério FHC já mostrou, entretanto, que o discurso da mudança econômica e da reforma do Estado esbarra imediatamente em demandas regionais, pessoais, partidárias e corporativas. O tamanho e a forma do ministério ficaram, afinal, tal e qual. Há nomes bons, a média das qualificações pessoais provavelmente supera a de outros gabinetes dos últimos anos, há intelectuais no poder.
Mas o tempo passa e faltam, ainda, sinais concretos de que o novo presidente tem consciência e disposição para a dura batalha de reengenharia do governo a que se propõe. O Estado precisa passar por um processo de destruição criadora. São ainda preocupantes os sinais de que, na prática, ainda haja alguma hesitação entre estar no governo e estar na Sorbonne.

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