São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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Mudanças dependem da reforma do Estado

GERALDO BRINDEIRO

Parece-nos realmente haver a necessidade de reformar a Justiça brasileira. A verificação de tal necessidade, todavia, não resulta de qualquer decisão judicial recente. Há muito tempo a reforma tem se revelado necessária.
É possível que as decisões judiciais, objeto das polêmicas, reflitam as deficiências do sistema por falta de reformas. Não é peculiaridade deste, porém, a ineficiência, que de uma forma ou outra, num maior ou menor nível, atinge a administração pública em geral, indicando a urgência da reforma do Estado.
O funcionamento eficaz da Justiça depende não apenas do Judiciário, mas também da polícia e do Ministério Público, além dos advogados. Tais órgãos não estão adequadamente aparelhados para combater o crime organizado no país. Os fatos falam por si mesmos.
A impunidade em matéria de corrupção no Brasil diz respeito basicamente aos chamados "white-collar crimes" (crimes do colarinho branco), denominação usada pelos criminalistas norte-americanos desde a década de 1950 (vide Edwin H. Sutherland, "The White Collar Crime", 1949). São crimes sofisticados, praticados no curso da ocupação dos próprios criminosos, geralmente grupos organizados, na administração pública, nos bancos, no mercado financeiro e na indústria, dentre outros, em prejuízo da população em geral.
Sua prática requer quase sempre o emprego de moderna tecnologia, como computadores, falsificações científicas, processos químicos modernos, meios de transporte e comunicação contemporâneos etc. E sua investigação e comprovação são de difícil realização, considerando ainda mais a falta dos meios materiais e profissionais indispensáveis aos órgãos encarregados de realizá-las.
Além disso, as definições legais de tais crimes, só recentemente adotadas, não têm sido precisas nem as sanções suficientemente rigorosas.
É preciso, pois, modernizar a Justiça para agilizar o processo e torná-lo mais eficaz, sem prejuízo do respeito aos princípios constitucionais. É evidente o anacronismo do Código Penal e do Código de Processo Penal brasileiros, editados em pleno Estado Novo, inspirados em modelos italianos da época do facismo.
Os procedimentos obsoletos geram a lentidão e o acúmulo de processos. O combate à corrupção e à criminalidade exige não apenas cruzadas moralizadoras periódicas, mas sim reformas, inclusive de natureza constitucional.
O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, enquanto instituições fundamentais à democracia brasileira, merecem todo o respeito do país. Os Poderes da República são independentes e harmônicos, segundo a Constituição. Mas não são infalíveis. A desarmonia entre eles, exacerbada perante o grande público, em nada contribui para seu aperfeiçoamento. Ao contrário, serve apenas para estimular o desrespeito às instituições políticas e pôr em risco a consolidação do regime democrático.
O Estado Democrático de Direito funda-se no respeito à Constituição. Os Poderes instituídos devem agir de acordo com suas respectivas competências constitucionais.

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