São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Para chanceler, emprego terá impacto com Mercosul

Folha - O Mercosul foi objeto de declarações meio eufóricas nos últimos dias. Que pontos, no entanto, o deixaram frustrados?
Amorim - Não posso dizer que algo me frustre, levando em conta que há três anos a idéia do Mercosul surgia no Tratado de Assunção. Talvez preferíssemos que o comércio estivesse totalmente liberalizado, sem as listas de produto em regime de adequação (sobre os quais são mantidos os impostos alfandegários) que afetam de 5% a 8% do comércio regional.
Mas não me sinto frustrado. Pelo contrário, até muito gratificado porque como Chefe do Departamento Econômico do Itamaraty rubriquei o Tratado de Assunção e agora, como ministro, o Protocolo de Ouro Preto.
Folha - Diplomatas brasileiros e argentinos são entusiastas do Mercosul, mas o mesmo não ocorre com todos os empresários de autopeças.
Amorim - É natural que seja assim. Mas as negociações tiveram um desfecho razoável para todos. Há compromisso de maior liberalização no comércio, as metas estão estabelecidas, haverá ganhos imediatos em termos de acesso às autopeças brasileiras no mercado argentino.
Numa negociação não é possível levar tudo. É preciso que prevaleçam interesses dos dois lados.
Folha - Não haveria, no Mercosul, um grande problema cultural, já que o Brasil, que é o maior economicamente, também é o único que não fala espanhol?
Amorim - Quando iniciei minha carreira como diplomata, o português não era sequer compreendido nos demais países latino-americanos.
Hoje em dia, o Mercosul é acompanhado de uma expansão do português. A procura de cursos na Argentina, Uruguai e Paraguai é crescente. Nós mesmos, nos centros de cultura brasileira, não damos conta da demanda.
Folha - Em termos brasileiros, não haveria uma mobilização em torno do Mercosul unicamente entre os gaúchos, sem que os demais brasileiros sequer saibam do que se trata?
Amorim - Há um grande trabalho a ser feito, sobretudo no Norte e Nordeste do Brasil. Mas aqui em Minas, por exemplo, há um conjunto de iniciativas que comprova ser muito grande o interesse dos empresários.
O Mercosul é bom para todos nós, porque nos abre os mercados dos outros países e tende a aumentar a renda nacional como um todo. Ele pode um dia englobar toda a América do Sul.
Folha - Quem ganha e quem perde com o Mercosul?
Amorim - Em todo o processo de integração se tem reajustes. Mas de modo geral, saem ganhando os trabalhadores, os empresários e os consumidores.
Folha - Então para o senhor ninguém perde?
Amorim - Há ajustes, e com isso há setores que precisarão se adaptar a uma realidade nova. No Sul, por exemplo, muitos produtores de arroz já se deslocaram para o Uruguai. Há setores que precisarão se ajustar à nova realidade, reorientando sua produção.Não vejo ninguém, na sociedade brasileira, que seja contra o Mercosul. Há os que são muito a favor e outros apenas a favor.
Folha - O governo chegou a fazer algum estudo sobre o quanto o Brasil ganharia caso ficasse de fora do Mercosul?
Amorim - Não especificamente, mas há estudos que relacionam as exportações à criação de empregos. Se levarmos em conta que só com a Argentina, com a aplicação preliminar dos mecanismos de integração, o comércio passou de US$ 1,5 para US$ 7 bilhões, pode-se imaginar o grande impacto na criação de empregos.
Mesmo na área agroindustrial, o Brasil passou a importar certos produtos e a exportar outros.
Folha - Há uma tese segundo a qual, com o Mercosul, os empresários brasileiros não mais se preocupariam com a distribuição de renda, porque, em lugar de precisarem ampliar o mercado interno com melhores salários, eles receberiam, de bandeja, o mercado argentino.
Amorim - Esse raciocínio é economicamente falho. Exemplos bem sucedidos, como o da Coréia, apresentam agressividade comercial externa e distribuição de renda invejáveis.
No Brasil, a renda se concentrou em períodos, como nos anos 70, em que a produção procurou satisfazer da classe média para cima. O aumento das exportações, no momento atual, gera empregos, aumenta a massa de salários e automaticamente redistribui renda.
Folha - O Mercosul já não estaria impondo para as empresas a necessidade de recorrer à reengenharia e outros métodos de ganhar em produtividade?
Amorim - Isso já está ocorrendo, e não apenas em razão do Mercosul. O país está integrado à economia mundial e, nesse processo, quem não produzir bem está fora do mercado. O Mercosul funciona um pouco como um aprendizado para essa integração no mercado internacional.
Folha - O que o sr. diria ao pequeno empresário, que não entende esse esforço todo, já que para ele seria bem melhor, em lugar do mercado interno do Paraguai, que se tivesse acesso ao mercado dos Estados Unidos, com o Nafta?
Amorim - Primeiro, porque essas coisas a gente não escolhe. Não fomos convidados a fazer parte do Nafta. Estamos participando do processo de integração hemisférica. Mas o Nafta (acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México) não está fora do nosso plano. Decidimos, há dias, no encontro presidencial de Miami, que teríamos dez anos para negociar uma associação com os norte-americanos.

LEIA MAIS sobre Mercosul nas págs. 2-5 e 2-8

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