São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Síndrome de Cavallo

Já são notórias as dificuldades em curso na Argentina. O Plano Cavallo enfrenta problemas de ordem fiscal, o déficit comercial incomoda, assim como o custo social da estabilização e os desequilíbrios da previdência. A popularidade do plano e do ministro que lhe deu o nome atingiu o nível mais baixo.
Por acaso, mas não pela primeira vez, recoloca-se no Brasil o debate sobre a viabilidade de seguir o modelo argentino, adotando alguma forma de âncora cambial.
Entretanto, pelo menos desde outubro, vários riscos da opção argentina têm sido apontados no Brasil. Fala-se em desindustrialização, ausência de base fiscal sólida para sustentar a estabilidade cambial e até de vulnerabilidade financeira frente às instabilidades globais.
Mas como o avião que já está prestes a decolar, atingiu-se um ponto irreversível. Não há alternativa se não seguir adiante.
Há dois aspectos a considerar, um de curto, outro de longo prazo. No curto prazo, desvalorizar o real seria eliminar uma âncora sem ter outra para substituí-la. Numa economia ainda indexada, a desvalorização cambial seria combustível de mais inflação. E seria abalado, de modo talvez irreversível, um componente psicológico essencial à estabilização das expectativas.
No longo prazo, entretanto, há muitas alternativas. Feito um ajuste fiscal decente, criadas as condições para a redução consistente das taxas de juros, desindexada a economia, aí sim será possível, até aceitável se não desejável, que se promovam correções no modelo cambial. E que se aprofundem políticas de estímulo à modernização produtiva, à redução de custos trabalhistas ou de financiamento tanto a exportadores quanto a produtores locais. Como já anunciou o próprio FHC, a respeito da inserção internacional da economia brasileira, num horizonte mais amplo será imperativo "integrar sem desintegrar".
Há muita gente sofrendo hoje de uma espécie de síndrome de Cavallo. O risco maior é transformarem essa cautela justificada em obstáculo à mudança e à estabilização.

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