São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Burocracia e tecnocracia

FLORESTAN FERNANDES

A burocracia deita suas raízes nos sábios escravos, principalmente gregos, nos conselheiros dos reis, dos imperadores e de nobres poderosos. Muitos eram eclesiásticos. Com a secularização da cultura e a racionalização dos modos de conceber o mundo, foram tragados pela especialização. As monarquias, impérios e repúblicas modernas necessitavam de técnicos em administração, com conhecimento objetivo sobre a economia e a elevação de rendas do Estado.
Burocracias influentes difundiram-se como uma praga. O que explica sua eficácia é o controle dos políticos, a competência, a estabilidade e o princípio de neutralidade. Com o aparecimento de instituições complexas, elas se instalaram também nos centros de poder. Ajudaram, pois, a construir o edifício do capitalismo e a articulação da iniciativa privada com o Estado.
Os tecnocratas surgem com a transição para o capitalismo financeiro e monopolista. Possuem especialização e saber mais amplos, embora mais limitados que os dos antigos burocratas. São frutos da corporação gigante e da diferenciação do aparelho estatal, e chegam também aos exércitos. A interdependência entre Estado capitalista, economia das corporações gigantes e "partilha do mundo" imperialista empurrou-os para a frente com enorme velocidade.
O fenômeno atraiu a curiosidade dos cientistas e pensadores, temerosos dessa irradiação do poder fora das regras democráticas. As questões sociais podiam subir de baixo para cima. Provocaram a busca de soluções no tope dos Estados e das instituições complexas. Até aí, prevaleciam tendências democráticas. Chegadas a esse parâmetro passavam a ser tratadas como "decisões técnicas", que desabavam despoticamente sobre a sociedade.
Mosca estudou a social democracia e o socialismo do ângulo dessas propensões. Hilferding, investigando o capitalismo financeiro, apontou agudamente a burocratização como um fator de tirania. Foi Max Weber, porém, que alertou a opinião pública sobre seus efeitos, que ameaçam a civilização moderna. Burnham fez um alarde discutível sobre a "revolução dos gerentes".
Coube a Galbraith evidenciar a natureza opressiva da tecnocracia. Gurvitch e Laski organizaram uma apreciação global, na qual reaparece o pessimismo de Weber e a defesa da democracia. A bibliografia é enorme e variada. Fico por aqui.
No Brasil, a burocracia cresceu com a diversificação das funções do Estado e a tecnocracia medrou em todos os setores, todavia mais em tarefas intrincadas do aparelho estatal e das grandes empresas e corporações. Os riscos maiores incidem sobre os partidos. A associação de burocratas e tecnocratas com os políticos favorece a despolitização das instituições partidárias, da direita à esquerda. Ela impulsiona ambições pessoais de carreira e projetos particularistas, divorciados das necessidades prioritárias da coletividade. Fortalece, pois, o conformismo, o fascismo potencial e a plutocracia.

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