São Paulo, terça-feira, 20 de dezembro de 1994
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O risco do sucesso

JOSÉ SERRA

O discurso do presidente eleito, Fernando Henrique, feito no Senado Federal foi mais do que uma peça literária e (como toda despedida) afetiva. De fato, fixou com clareza critérios fundamentais de sua futura gestão de governo, partindo de uma compreensão da atual fase da política e da economia brasileiras e do contexto internacional em que elas se movem.
Um critério que sobressai é o de governar todos os dias, evitando a idéia famosa dos "cem dias", que congestionaria a curto prazo a agenda de reformas estruturais do país, inclusive da Constituição. Esta agenda deve ser encarada como um "processo contínuo, menos para corrida de cem metros rasos do que para prova de fundo".
Existe pressa e empenho de decidir com base em maioria, mas isto não levará a atropelos da ordem jurídica, nem dos opositores. Nada menos parecido ao estilo do governo Collor, que seguiu, em seu primeiro ano, o lema da cavalaria antiga: rápido e mal feito.
Paralelamente, o presidente eleito mantém-se distante de qualquer oba-oba a respeito do cenário futuro do país, ao advertir que "o maior risco que corremos no Brasil é o risco do sucesso. Uma sucessão de fatos positivos –vitória sobre a inflação, retomada do crescimento, eleições e até a conquista do tetra– tudo isso levou ao desafogo e à recuperação da autoconfiança. Isto em si é ótimo. O perigo é que nos leve a baixar a guarda diante dos problemas que persistem".
Um deles, sem dúvida, refere-se à questão fiscal, amenizada pelo Fundo Social de Emergência, que, no entanto, como lembra Fernando Henrique, representa um "arranjo transitório". E é precisamente o arranjo fiscal duradouro uma das duas metas que orientarão a agenda das reformas econômicas. A outra meta é a redução dos custos de produção, do "custo Brasil", que, aliás, tampouco é alheio aos tropeços fiscais que presidiram o desenvolvimento do país nas últimas décadas. Não é demais lembrar os brutais ônus tributários que hoje incidem sobre as folhas de salários ou que prejudicam a competitividade da produção doméstica e das exportações, além de encarecerem exageradamente os investimentos produtivos.
Outra dimensão do problema fiscal, abordada no discurso, refere-se evidentemente ao lado dos gastos orçamentários, que não são propriamente exagerados no Brasil, quando em confronto com outros países com grau maior ou semelhante de desenvolvimento. Não são exagerados, mas são mal feitos, engessados que estão por amplas vinculações de torções na repartição de encargos entre União, Estados e municípios.
Como adverte o presidente eleito, "poderíamos continuar fugindo do problema pela via da corrosão inflacionária das despesas. O preço, no entanto, seria abrir mão do controle da inflação" e, com isso, do crescimento sustentado da economia (e do próprio aumento das receitas que é permitido por esse crescimento e pela estabilidade de preços), reproduzindo-se assim o círculo vicioso que envolveu o país desde o começo da década passada.
É interessante lembrar que o discurso sinaliza também para as reformas políticas. Pela primeira vez um presidente propõe, por exemplo, a mudança do sistema eleitoral –com a implantação do voto distrital misto. Será o começo de mudanças estruturais na política, necessárias para o nosso desenvolvimento econômico a longo prazo.

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