São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 1994
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A crise estatística do Brasil

HORÁCIO LAFER PIVA ; VERA LÚCIA LAURIA ROSA

HORÁCIO LAFER PIVA; VERA LÚCIA LAURIA ROSA
Não há um dia sequer em que não estejamos trabalhando com alguma espécie de levantamento. São os censos sociais, as pesquisas eleitorais, as sondagens de mercado, enfim, um império de estatísticas. Eis portanto porque, avaliando a situação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sentimos sua fragilidade neste momento tão sensível que se segue às modificações porque passou.
Em 1970, o IBGE foi transformado em fundação, o que lhe permitia pagar salários diferenciados, ter liberdade de movimentos e autonomia administrativa. A Constituição de 1988 acabou com isso. Todo o pessoal do IBGE tornou-se funcionário público, com benefícios de estabilidade e aposentadoria integral, mas, em troca, submetido a um brutal achatamento de salário. Resultado: está perdendo seus melhores técnicos.
Ao todo, o IBGE possui 10.550 funcionários ativos. Pouco mais de 8.000 com nível secundário, ou menos, e cerca de 1.500 com nível superior. São principalmente esses técnicos que estão indo embora, aposentando-se em altíssima velocidade. Segundo o atual presidente do instituto, Simon Schwartzman, nos últimos quatro ou cinco anos o IBGE perdeu 25% do seu pessoal mais qualificado e "está condenado à morte lenta". "O IBGE vai perder o pessoal que tem e não vai formar outra equipe equivalente", adverte Schwartzman.
Resultado da crise, muitas pesquisas de responsabilidade do IBGE foram cortadas por falta de dinheiro, como o Censo Econômico previsto para 1992 e que até agora não foi feito e o Censo Populacional de 1990, que só começou em 1991 e ainda está nos computadores.
Hoje, o que conseguimos saber é que somos de 140 milhões a 160 milhões de pessoas. Mas é a partir do perfil da população que se discutem os grandes temas, desde o controle da natalidade até as grandes concentrações urbanas, passando pelo projeto da educação, e acima de tudo, pelos dados do ensino básico, dos quais se deduzem os limites de qualquer planejamento.
A falta de estatística adequadas deforma a política do governo. Por exemplo, um governo informado de que tem 5.000 ou 10 mil crianças abandonadas para cuidar pode imaginar uma estrutura adequada para resolver o problema. Está diante de uma questão que aceita soluções administrativas. Mas se esse governo se deixar convencer de que há milhões de meninos abandonados pelas ruas, aí o problema se torna intratável, vira assunto de ONG (Organização Não-Governamental) e de campanhas internacionais.
Está aí uma questão conceitual que, se mal resolvida, acaba torcendo as estatísticas oficiais sobre a população brasileira e que, dentro da metodologia do IBGE, deveria ser reestudada.
Por exemplo, o IBGE faz pesquisa sobre renda, na qual o tipo de resposta se baseia na declaração de quanto o entrevistado ganha. Se este declarar que ganha um salário mínimo ou menos, e se esse valor for comparado com a cesta básica, por definição o entrevistado tem de estar com fome.
No atual critério do IBGE, o instituto não procura saber se o entrevistado vive com soluções alternativas. E, na realidade, um número considerável de pessoas no Brasil defende-se no mercado informal fazendo biscates. Essas pessoas têm uma renda irregular, o que não quer dizer ilegal. Mas isso os questionários do IBGE não captam e essas pessoas vão incorporar-se nos números gigantescos que denunciam a existência no país de grande massa de miseráveis sem poder aquisitivo. Seria preciso mergulhar mais a fundo na vida desses brasileiros pra entender como eles se organizam, e sobrevivem, frente à realidade do Brasil.
Diante das deficiências desse cenário, a sociedade brasileira, por intermédio de órgãos privados, está criando uma estrutura própria de levantamento de dados que lhe permitam o acompanhamento mais adequado da realidade.
É o caso de entidades como Seade, FGV, Ipea etc. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp) também fazem suas pesquisas de emprego e de levantamento de conjuntura, além de sondagens instantâneas e sobrepostas aos temas da atualidade.
Com essas iniciativas, supre-se algumas necessidades estatísticas, sem ocupar o espaço do IBGE. Só um órgão de âmbito nacional pode ter uma visão macro e profunda da realidade do país.
Diretorias recentes do IBGE vêm se esforçando para introduzir gestões administrativas mais eficientes e modernas no instituto, que permitam compensar a falta de verbas pela venda de pesquisas. Isso quando os próprios técnicos do IBGE não trocam seus trabalhos por equipamentos, numa briga por melhores condições de trabalho... Esses esforços, contudo, estão diretamente condicionados à recuperação da credibilidade do IBGE, hoje abalada.
Um caso recente de falha estatística do IBGE foi o suposto número de 32 milhões de famintos, que serviu para dar sustentação à celebrada campanha da fome. Soube-se depois, no entanto, que esse número é questionável, pois está baseado em dados do censo de 1980. E na comparação entre renda familiar e custo da dieta de sobrevivência, o mapa específico utilizado pelo IBGE referia-se a 1986, o ano do Cruzado, quando houve desordem nos preços e falta de gêneros nas prateleiras.
Se, por um lado, serviu de alívio sabermos que há no país menos famintos do que se supunha, por outro lado ficou claro que o país, nesta fase dinâmica de elaboração de planos e de mudanças de rumo, exige cada vez mais uma técnica estatística atenta e em cima do fato.
Tem fundamento, portanto, a preocupação que se tornou pública, por ocasião do 1º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, a respeito da grande deficiência nacional em matéria de estatística. Sem a correção desse problema não será possível elaborar uma estratégia vencedora para o país. E é esse sentido que a Fiesp/Ciesp vem procurando prestar a sua colaboração, suprindo a sociedade com pesquisas confiáveis e dados seguros.

HORÁCIO LAFER PIVA, 36, empresário, é diretor do Departamento de Documentação, Pesquisas, Estudos e Avaliações da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).

VERA LÚCIA LAURIA ROSA, 50, é chefe do Departamento de Documentação, Pesquisas, Estudos e Avaliações da Fiesp/Ciesp.

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