São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 1994
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Bandos de Mauricinhos invadem a Internet

MARINA MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Ainda vai dar em "Interneticídio", ou homicídio virtual. A previsão é de quem acompanha de perto a batalha, por enquanto de palavras, entre os frequentadores tradicionais da Internet e os novatos, que estão aderindo em massa à maior rede mundial de micros.
Para entender exatamente o que está acontecendo é preciso voltar no tempo. A uma época em que a Internet era domínio quase exclusivo de pesquisadores do governo e de universidades, que trocavam entre si informações e estabeleceram uma linguagem e um comportamento próprios na comunicação.
Era o chamado paraíso dos nerds. Os garotos introvertidos, com seus óculos de armação pesada e o rosto cheio de espinhas, tinham crescido e encontrado um veículo para dar suas opiniões sem correr o risco de rejeição que os acompanhara no colégio.
Àquela altura a Internet ainda não tinha despertado o interesse da mídia. Os fóruns de debate on line obedeciam, então, à ética da garotada que vivia à margem do consumismo dos yuppies. Os princípios eram simples: ninguém se levava muito a sério, ninguém levava os outros muito a sério e, principalmente, ninguém levava o governo a sério.
Aí aconteceu o que se sabe: o mundo descobriu a Internet. Por ironia, foi a evolução tecnológica que causou a mudança. Os preços de computadores e modems caíram e a Internet tornou-se acessível a qualquer americano. De olho no novo mercado, as redes comerciais do país, entre elas a America Online, a Compuserve e a Prodigy, passaram a oferecer a seus assinantes a possibilidade de se ligar à Internet e sentir o gostinho do faroeste cibernético.
Estava armado o cenário para a vingança dos nerds. Eles se sentiram mais ou menos como você se sentiria se chegasse ao seu bar preferido, onde tomou o chopinho de fim-de-tarde pelos últimos dez anos, e encontrasse um estranho ocupando seu lugar cativo.
Nem todos os novos usuários da Internet são chatos de carteirinha. A maioria frequenta os fóruns de debates com o cuidado de quem visita a casa da namorada pela primeira vez. Mas é inevitável, no meio de tanta gente, que apareçam aqueles que querem tomar o uísque tarja preta do sogro logo de cara. Sabe o tipo?
Se você ainda não entendeu, olhe à sua volta num bar dos Jardins e identifique aquele cara que fala alto no celular para chamar a atenção. É o próprio. Na Internet, eles já ganharam o apelido de jecas. Nos fóruns on line, onde se debate do governo Clinton ao sexo das borboletas, eles têm uma resposta pronta para tudo. Interrompem a linha do debate, cortam as opiniões alheias no meio ao teclar suas próprias mensagens, enfim, não obedecem à etiqueta da rede, a chamada Netiqueta.
Há quem defenda os novatos. Num artigo recente, o colunista de uma revista dedicada aos estreantes da informática ataca os veteranos da Internet. Diz que eles se sentem inseguros porque sua festa particular foi arrombada por gente que não tem as mesmas opiniões sobre o mundo.
Isso é verdade. O estilo contracultura dos veteranos está sob ataque dos almofadinhas. Enquanto aqueles rejeitam qualquer comercialismo na rede, estes não se opõem a que a Internet se transforme num veículo de marketing e vendas das grandes empresas. É só um pequeno exemplo do golfo que se abriu entre os usuários.
Em consequência, o verbo "queimar", ou "flambar", nunca foi tão conjugado na Internet quanto agora. É quando um infonauta se irrita com as opiniões ou o comportamento on line de outro e, em caixa alta, dispara algum impropério. Tipo, "Cai fora, idiota".
Quem acompanha de perto diz que a derrota dos veteranos é apenas uma questão de tempo, porque logo eles serão a esmagadora minoria. Outros acham que está se estabelecendo um ritual de iniciação: os novatos de hoje vão se vingar "flambando" os calouros de amanhã.

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