São Paulo, quarta-feira, 21 de dezembro de 1994
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Conta corrente

Antonio Delfim Netto
Nas recentes discussões sobre o problema do câmbio têm surgido alguns termos característicos do "economês" que, segundo protesta um leitor atento, tornam a leitura maçante e às vezes ininteligível. Por que, pergunta ele, o governo insiste em ter um "balanço de conta corrente negativo"? E por que isso tem que ser feito reduzindo o saldo do "balanço comercial"? E qual a diferença entre eles?
Talvez a forma mais simples de explicar a questão é considerar que o chamado balanço de pagamentos é apenas um registro das transações realizadas entre os residentes de um país (o Brasil, por exemplo) e os residentes do resto do mundo. O chamado "balanço em conta corrente" é uma parte da peça anterior que tem significado importante do ponto de vista macroeconômico.
Como ele é composto? Do balanço comercial (a diferença entre as exportações e as importações medidas no critério FOB, isto é, sem frete e seguro) somado ao balanço de serviços (frete, seguro, serviços internacionais) que não correspondem a remuneração de fatores de produção de propriedade de não-residentes no Brasil.
A isso se junta a remuneração dos fatores de produção (investimentos diretos, empréstimos) utilizados no país, de propriedade de não-residentes (juros, lucros, dividendos, lucros reinvestidos).
Esta última parcela é produzida internamente, mas é apropriada pelos não-residentes que podem remetê-la aos seus países de origem. Compõem ainda o balanço em conta corrente as remessas unilaterais (por exemplo, a dos brasileiros trabalhando no exterior).
O balanço em conta corrente do Brasil em 1993 pode ser assim simplificado (em bilhões de US$):
O item (A), com o sinal trocado, é o que se chama o "hiato de recursos". Ele representa a transferência (ou recebimento) de recursos para (ou do) exterior. Este é o item que o governo pretende tornar negativo, o que permitiria ao país usar poupança externa.
O item (B) inclui o juro da dívida externa (que deve diminuir com o acordo) e a remuneração do capital estrangeiro investido no Brasil, o que significa que dependem do passado e não podem ser alterados facilmente. Quanto maior o investimento do capital estrangeiro, maiores serão os lucros a serem remetidos no futuro. As remessas unilaterais são aleatórias e se devem à recessão que expulsou os brasileiros que hoje trabalham no exterior. Como se vê, o saldo comercial (construído pela taxa de câmbio 1 dólar = 1 real) apenas mantinha em relativo equilíbrio o balanço em conta corrente.
O déficit de recurso ocorre (se não há déficit fiscal) se o investimento privado é maior do que a poupança privada. Ele é uma consequência do comportamento de outras variáveis da economia que são determinados simultaneamente. É por isso que não convém colocá-lo como objetivo da política econômica. Será prudente obtê-lo só para controlar os preços?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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