São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 1994
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Um não que vale muitos sins

PAULO RABELLO DE CASTRO

O Brasil ainda é um país majoritariamente pobre. Pobre com um agravante: um dos perfis de renda mais concentrados do mundo.
O que estamos esperando, então, para adotar o Programa de Renda Mínima (PRM)? Esperando, primeiro, que o PRM diga como vai se financiar no Orçamento da União e, principalmente, como vai separar os pobres que são pobres dos que apenas parecem pobres.
O PRM, tal como está concebido hoje, é inviável e desaconselhável. Por três motivos. O menos relevante (mas que os políticos mais olham) é por não caber no Orçamento da União.
Segundo cálculos conservadores, eleger para o programa a massa da população ativa que estaria abaixo do salário mínimo invocaria recursos de 3% a 4% do PIB, ou seja de US$ 12 bilhões a US$ 16 bilhões de dólares. Se o governo não gasta isso, hoje, nem em saúde ou educação, estamos falando de uma proposta politicamente problemática de ser votada no Orçamento.
Porém o mais relevante não é isso. Tivéssemos nós a inabalável certeza de que a pobreza no Brasil estaria sendo redimida com gastos de 3% a 4% do PIB, quem não aceitaria o sacrifício?
O fato é que não temos essa certeza. Para que o PRM pudesse decolar seria necessário mostrar que o país não tem condição de prover esse ingresso de renda mediante a oferta de postos de emprego, ou seja, a renda proveniente do trabalho.
Em outras palavras, para aceitar a renda mínima sem trabalho é preciso provar, primeiro, que este país, mesmo organizado e funcionando a contento, sem fraudes ou roubalheiras, não geraria oportunidades maiores de trabalho para todos que buscam emprego.
Há outro motivo, porém, de dúvida insuperável quanto ao PRM. Será o governo capaz de eleger quem estaria habilitado a esse programa? Teria a agência encarregada de "escolher" os pobres os critérios de ausência de renda e de carência de oportunidades para dizer quem pode versus quem não pode habilitar-se à mesada do governo?
Mas então o que fazer? Fazer é preciso! No âmbito do Instituto Atlântico temos estudado alternativas à renda mínima gratuita, alternativas que não só repõem mais renda na base da pirâmide, como também discriminam mais adequadamente os critérios de elegibilidade e ajuda.
Para a criança, temos proposto, insistentemente, o cheque-educação, nominativo e intransferível, emitida pelo governo federal em favor de cada brasileiro de cinco a 15 anos, para aquisição de escolaridade em qualquer unidade pública ou privada devidamente credenciada (custo: 2% do PIB).
Temos proposto também o cheque-saúde no valor médio de R$ 100/ano, que daria a cada cidadão o acesso a um sistema de saúde redimido do grande crime do sistema atual, que é atender o cliente como se ele fosse um pedinte (custo: 3% do PIB).
Outra proposta: auxílio-emprego nas comunidades flageladas por seca ou outras intempéries, caos em que se justifica uma ação federal, abrindo frentes de trabalho coordenadas pelas próprias prefeituras locais. Ou seja: auxílio de renda com dignidade e com trabalho (custo: 0,5% do PIB).
O Brasil tem alternativas. E há maneiras fáceis e eficientes de distribuir riqueza sem desperdícios, nem estímulo ao ócio.

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