São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Ciro Jones e a quebra do México

LUÍS NASSIF
CIRO JONES E A QUEBRA DO MÉXICO

À luz do caso mexicano, é necessário uma discussão aberta sobre a manipulação política dos temas econômicos. Sabia-se desde início de julho que a valorização do câmbio decorrera de acidente operacional na implantação da nova política cambial. E dos riscos daí decorrentes.
Mesmo assim, nas últimas semanas, políticos, membros em off da tal equipe econômica, do mercado financeiro e parte da imprensa cerraram fileiras em torno dessa maluquice de transformar a política cambial em bezerro de ouro do Plano Real.
O México quebrou por ter supervalorizado sua moeda e destruído seu equilíbrio em transações correntes, sem se dar conta que a entrada de dólares via mercado financeiro era finita –os mesmos equívocos da atual política cambial brasileira.
No entanto, se o ombudsman se dispuser a levantar nos diversos órgãos de imprensa quantas vezes os críticos da política cambial brasileira foram taxados de inimigos do Real, ainda assim proporcionaria aos leitores uma pálida idéia do nível de manipulação do tema.
Importa mais entender as razões dessa cegueira ampla.
O primeiro elemento é o jogo de poder. A equipe econômica sabia –e informou a Ciro Gomes– que a valorização do câmbio decorrera de (gravíssimo) acidente operacional.
Bastou o início do jogo de definições do ministério, para jogar-se o interesse nacional na lata do lixo. Dois dias antes da quebra do México, o ministro da Fazenda, Ciro Gomes, exigiu do futuro ministro do Planejamento José Serra profissão de fé pública na política cambial, como prova de lealdade ao Real.
Se, com a retaguarda que recebeu de certa parte da imprensa, Ciro se mantido no cargo, o pastor Jim Jones seria pinto perto do carcará cearense.
Conflito de interesses
O segundo elemento do jogo é a questão do conflito entre interesses públicos e privados. Qualquer relação entre política cambial, abertura indiscriminada da economia e a sociedade do assessor Winston Fritsch com um banco estrangeiro não é coincidência.
Há anos, o mercado financeiro transformou-se no objetivo profissional da maior parte desses acadêmicos que saltam para o serviço público. A ansiedade em não descontentar seus futuros empregadores, clientes ou sócios, acaba tornando-os –às vezes inconscientemente– muito permeáveis aos argumentos do setor.
A manutenção da tensão cambial (um câmbio valorizado que mantenha os agentes econômicos em permanente expectativa), por exemplo, é horrível para a atividade produtiva, no longo prazo inibe as exportações e os investimentos externos. Mas é essa tensão que abre espaço para movimentos especulativos, nos quais os mais competentes podem ganhar rios de dinheiro.
Nos últimos anos, os bancos de negócio desempenharam papel relevante na modernização da economia, adquirindo empresas quebradas, capitalizando-as e modernizando sua gestão. E o mercado cambial ajudou a colocar o país na rota dos grandes fluxos internacionais de capitais. Para que isso fosse possível, foi necessário derrubar as barreiras do protecionismo criadas pelo lobby da economia industrial brasileira.
Agora o pêndulo virou perigosamente para o extremo oposto. Pessoas isentas, saberiam avaliar e corrigir os exageros, de parte a parte. Quando a visão está nublada por conflitos de interesses pessoais, acontece o mesmo que no México –quebra-se o país e todos saem perdendo.
Por isto, está na hora de o Congresso estabelecer limites à utilização do serviço público como trampolim profissional. Não se trata apenas de questão ética. O país já pagou um preço elevadíssimo no governo Sarney, com a política de conversão de dívida externa e de pagamento integral do serviço da dívida, e no governo Collor com a privatização a preço de banana, práticas nefastas e ilógicas, cujas motivações só ficaram claras mais tarde, quando esses interesses tornaram-se públicos.

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