São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Otimismo provoca histeria

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O Brasil está feliz –a felicidade é visualizada nos números da pesquisa Datafolha publicada hoje, esbanjando otimismo. Vou fazer o papel de chato com uma pergunta: está feliz ou iludido?
De acordo com o Datafolha, 78% dos brasileiros acreditam que sua vida vai melhorar no próximo ano. Identificam sua evolução pessoal com a melhoria do país que, segundo 79%, "tem jeito".
Já conhecemos a histeria do pessimismo que, regularmente, se abate entre nós. É a visão de que nada dá ou pode dar certo, de que estamos condenados à corrupção, pobreza e todos os tipos de desgraças. Tenho me esforçado nesta coluna a demolir esse tipo de distorção mental, combustível para a preguiça e o imobilismo.
Agora, entretanto, vivemos outro exagero: a histeria do otimismo. Basta ver, por exemplo, a onda bajulatória com hálito acadêmico em torno do novo governo. Troca-se um sentimento de justificável confiança por um oba-oba estilo "ame-o ou deixe-o", como se estivéssemos diante de salvadores da pátria.
Até existe motivo para otimismo, claro. O Brasil é repleto de possibilidades, existe consenso sobre o diagnóstico da crise, o novo presidente é preparado, tem bons auxiliares, conta com base parlamentar, a inflação está baixa, as empresas promovem revoluções de produtividade.
O problema é que o Brasil está necrosado por problemas sociais; é como se tivéssemos passado por uma guerra. Só um alienado não percebe. Vamos sofrer por várias gerações os efeitos dessa destruição.
O aparelho estatal é reflexo desse colapso: basta ver o salário de um professor primário ou de um médico que atende num hospital público. Ou mesmo a situação nas universidades e centros de pesquisa.
A histeria do otimismo não é apenas uma ilusão; é também alienação do apartheid social. Muita gente analisa o país pela febre de consumo no Natal, com as lojas repletas ou o aumento de consumo de carros importados.
Não é errado usar esse critério –desde que combinado com números menos escancarados. Por exemplo: nos próximos três meses, é prevista a morte desnecessária de 30 mil crianças no Nordeste; desnecessária porque facilmente evitável. E não se vê indignação ou mobilização do governo à altura do drama.

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