São Paulo, quarta-feira, 28 de dezembro de 1994
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Pelé pode ser um equívoco como ministro

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Politicamente, foi um gol de letra. Garrafal. Pois virou manchete em tudo quanto é jornal o anúncio de que Pelé será ministro extraordinário dos Esportes do futuro governo. E até mesmo os cronistas políticos, em sua maioria, aprovaram a escolha, referendada pelos leitores que costumam escrever aos jornais.
Claro que nisso tudo há um pouco de folclore, assim como é inatacável a justificativa do presidente eleito, FHC, de que a escolha era um preito a um brasileiro, saído das camadas mais desfavorecidas da nossa sociedade, que deu certo. Petistas mais renitentes poderiam antepor: e o Lula? Também, mas este só não está no ministério porque não quer.
Voltando ao Pelé, é daquelas escalações de um time ideal. No papel, uma beleza; mas, e na prática?
Na prática, a simples criação, manutenção ou resgate da tal secretaria especial de Esportes, é, por si só, um anacronismo, num instante em que o mundo (e junto com ele, FHC) clama pelo afastamento do Estado das áreas que não lhe sejam rigorosamente afeitas. Pode-se argumentar que o chamado esporte de base, aquele que deve ser praticado pelas multidões, como auxiliar à educação e à saúde, é assunto do governo federal, sim senhor. É possível, vale uma longa discussão a respeito. Mas foi exatamente com esse pensamento que o ditador Getúlio Vargas impingiu-nos há mais de 50 anos o CND e toda uma legislação esportiva que nunca saiu do papel. Só atrapalhou as iniciativas particulares que visavam dar uma estrutura autônoma aos esportes.
Ora, para servir de apoio à educação e à saúde bastaria que os ministérios correspondentes criassem programas incutidos já nos projetos das respectivas pastas. Seria mais lógico, ágil e funcional, do que um ministério à parte ajustar seus programas aos dos outros ministérios.
Ah, sim, precisamos deixar de sermos apenas o país do futebol. Há que se incrementar outras práticas, outras modalidades. Nós não temos nada. Nós somos o que somos. Precisamos é melhorar. Nossa cultura é basicamente futebolística, o que não impediu que ações individuais de alguns dirigentes competentes de clubes e federações permitissem que o vôlei e o basquete, por exemplo, se desenvolvessem num patamar de Primeiro Mundo.
E, ainda que o caso fosse esse, Pelé, então, é um grande equívoco. Pois Pelé é sinônimo de futebol. E só.
E o futebol, no Brasil, como, de resto, no mundo inteiro, carece é de menos influências externas. Bem ou mal, ele se desenvolveu ao sol do poder público. Este, por exemplo, nos atrasou um século rumo à chamada modernidade, ao impedir os clubes de exibirem em seu uniformes os logotipos dos patrocinadores ou de se reorganizarem como empresas.
Quanto menos o governo meter o bedelho, melhor. Na verdade, dá-me urticárias quando ouço alguém propor a transferência da CBF do Rio para Brasília.
Resumindo: Pelé foi o atleta do século. Eu diria dos seculorum, amém. Mas, dentro das quatro linhas. Fora, só o tempo dirá.

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