São Paulo, quarta-feira, 28 de dezembro de 1994
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Weffort sempre foi um 'tucano' no PT

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Groucho Marx tem uma frase muito citada –excessivamente citada, talvez– segundo a qual ele nunca entraria num clube que o aceitasse como sócio. Na vida real, ocorre precisamente o contrário: o clube, por pior que seja, melhora a nossos olhos se nos convida para entrar. Não é tão ruim assim, se conta com a nossa presença.
Escrevo isso pensando no caso de Francisco Weffort, ex-secretário-geral do PT, membro fundador e ideólogo do partido, que terminou entrando para o governo de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Cultura. Se quisermos usar de um vocabulário dramático: aderiu ao adversário da véspera, em troca de um cargo no governo.
Não quero, contudo, usar de um vocabulário dramático. Com hesitação, procuro menos condenar do que entender o que se passa.
Seria necessário passar do julgamento moral para o julgamento político do "caso Weffort": esta a sugestão de uma carta do jornalista Bernardo Kucinski, recentemente publicada no Painel do Leitor.
As motivações pessoais de Francisco Weffort, seus laços de amizade com Fernando Henrique, seu apetite pelo poder, seu "oportunismo" podem ser apontados com eloquência, sem dúvida. Mas como interpretar, para além das razões subjetivas, a "virada" de Weffort?
O futuro ministro da Cultura não nos ajuda muito neste ponto. Imagino algumas justificativas, que ele não quis dar.
Weffort sempre foi, dentro dos quadros do PT, um "tucano". Viu-se isolado face ao crescimento de correntes radicais dentro do partido. Era uma ave fora do ninho, como talvez o sejam Genoíno e Tarso Genro.
Não houve, de parte de Weffort, uma crítica política do projeto petista como um todo. Seu ato de aceitar o ministério surge menos como uma ruptura do que como uma simples adesão.
E aqui entramos, creio, no ponto mais interessante de todo o "caso Weffort". É o de que, no Brasil, poucas pessoas se vêem na obrigação de dar satisfações públicas para seus atos de consciência. Já quando Erundina aceitou um ministério de Itamar, o raciocínio era o mesmo.
A saber: entrar ou não num governo é questão de foro íntimo. Certamente é. Cada pessoa tem lá seu projeto de vida, e podemos fazer um esforço para respeitá-lo. Se Weffort ou Erundina se sentem mais felizes assim, é até meu dever respeitar, do ponto de vista pessoal, a opção que tomaram. Não posso legislar sobre a consciência alheia, e talvez nem possa reduzir tudo a uma questão de "consciência". Cada um que se vire com a sua.
O estranho é o seguinte. Atos políticos, decisões públicas, atitudes dotadas de grave significado ideológico, reduzem-se a meras questões privadas, a simples decisões pessoais. Daí, quem critica Weffort passa a ser acusado de moralista.
A presença de Weffort no ministério FHC –pouco me importa a qualidade ética deste fato– é, contudo, um acontecimento político.
No Brasil, assuntos políticos e assuntos privados se misturam, e a ética (ou a falta de ética) tornou-se um assunto público. Ocorre um fenômeno curioso. Passamos a julgar tudo de um ponto de vista privado e ético, e não político.
Torna-se então "moderno", "inteligente", "avançado", quem separa as duas instâncias –a íntima e a pública. Aceitar as decisões de Erundina ou de Weffort –decisões "pessoais"– torna-se sinal de tolerância, de inteligência: já que, circunscrevendo-as à órbita da moral privada, nós mesmos estaremos separando, "modernamente", o privado do público, o pessoal e o político.
As coisas não são bem assim. O oportunismo de quem aceita um ministério não está tanto no fato de aceitá-lo, mas sim no fato de se valer da distinção entre "público" e "privado" de modo a despolitizar o debate.
Politicamente, o debate envolve questões muito claras: há lugar para os moderados dentro do PT? Há lugar para socialistas no governo FHC? Se há, por que ter votado em Lula? É possível imaginar que o PT algum dia alcance a Presidência da República? Se não é possível, será que a melhor estratégia é imiscuir quadros dentro de governos não-petistas? É possível ao PT sobreviver dentro de uma estratégia de alianças explícitas com governos não-petistas?
A saúde da consciência, a salvação da alma de Francisco Weffort interessam-me pouquíssimo. Se sua presença no ministério se resumisse a uma opção íntima, ela não teria a menor importância. Mas as questões acima estão em jogo em sua decisão –e até agora não foram respondidas.
Uma última palavra sobre o público e o privado. Todo intelectual de esquerda tem compromisso com o interesse público, e critica a "privatização do Estado". Ao mesmo tempo, vê no Estado a corporificação do interesse público; somos mais hegelianos que marxistas. Menos do que um apreço ao poder, é um apreço ao Estado o que fez de Celso Furtado ministro de Sarney, Fernando Henrique ministro de Itamar, Weffort ministro de Fernando Henrique. Não é oportunismo, é convicção: o Estado, instrumento da razão, clube do interesse público, merece que o tenhamos como sócios, ideais. Será?

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