São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
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Petróleo e direito

JEAN-PAUL TERRA PRATES

É lamentável que um assunto de tamanha importância como o monopólio da Petrobrás seja debatido de forma tão superficial e com discursos, de ambos os lados, tão recheados de frase de efeito e chavões superados. Grande parte da argumentação de alguns, por exemplo, tem se baseado no medo da alternativa de abertura do setor. Deve se esclarecer, no entanto, que "abrir" o monopólio não significa "entregar" nosso petróleo a quem queira levá-lo. A indústria do petróleo conta com o seu direito específico, construído em meio a guerras, terrorismo, cartéis, riscos e sorte. Portanto, tão legítimo e representativo quanto os demais.
Nenhum interesse público está ameaçado quando respaldado pelo bom direito. No Brasil, a propriedade do subsolo ou dos minerais que ele contém estão protegidas e reservadas ao Estado pelo direito constitucional e pelo direito civil, prescindindo do monopólio da Petrobrás para ter plena validade. O monopólio não é, portanto, uma proteção ao domínio das resevas, mas uma restrição puramente econômica, que dificulta a elaboração de uma política energética séria e entrava sua adaptação às oscilações e tendências da economia internacional. Em termos de petróleo, as proteções econômicas hoje adotadas no mundo são as licitações de contratos e a tributação. Ao contrário do nosso rígido dispositivo constitucional, e dos infelizes "contratos de risco" tentados no passado, estes instrumentos contratuais e fiscais modernos permitem satisfazer as mais diferentes necessidades públicas, tratem-se de países exportadores, produtores ou consumidores de petróleo, além de compensar as diferenças geopolíticas, geológicas e operacionais verificadas nas áreas disponíveis em um mesmo país. Não existe ameaça ou atentado à soberania de ninguém.
Imaginar o crescimento do setor petrolífero brasileiro num cenário monopolista como o atual, é apostar em uma Petrobrás incontrolavelmente gigantesca dentro de mais alguns anos, com todos os prestadores de serviços, empregados e dependentes da indústria do petróleo nacional atrelados à sua boa performance financeira e operacional. No entanto, a existência de uma companhia estatal de petróleo estruturada facilita a implantação de um regime fiscal-contratual para o setor. O governo, neste sentido, contaria com um órgão regulador-controlador para os contratos e impostos e com a Petrobrás como empresa de petróleo atuando em cooperação com os demais investidores. Para isso, além de retirar do texto constitucional a proibição às atividades petrolíferas pelos ciadãos e empresas, é necessário criar e implantar os instrumentos contratuais e fiscais apropriados e garantir que o setor não se transfome num monopólio de fato, num oligopólio, ou se cartelize. Também para isso, existem remédios jurídicos preventivos que apenas aguardarão oportunidade para serem efetivamente editados e postos em práticas. É infundado o medo que se tem da liberalização da indústria do petróleo brasileira. "Liberalizar", neste sentido, é inteiramente distinto de "liberar". A lei e o direito fornecem instrumentos de proteção suficientes para que o Brasil possa dar este passo em direção a uma indústria do petróleo moderna, eficiente, ativa e competidora. O país não pode desperdiçar a chance de revogar este dispositivo corporativista e protecionista por medo de perder o controle de suas reservas ou ameaçar sua soberania. Não vivemos mais num mundo onde empresas multinacionais inescrupulosas discutem com sheiks, chefes tribais ou índios, as concessões de enormes áreas por períodos intermináveis de tempo, levando-lhes todo o petróleo encontrado. Não há mais novatos ou inocentes na indústria internacional do petróleo, principalmente do lado dos governos. Podemos perfeitamente reestruturar o setor petrolífero nacional e adaptá-lo a métodos modernos e eficientes de funcionamento para que não só o petróleo, como todos os benefícios diretos e indiretos resultantes do bom funcionamento de sua indústria, venham a ser, afinal, de todos os brasileiros.

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