São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
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Entre a história e as eleições

LUÍS NASSIF

Para situar o debate sobre a URV nos devidos termos é necessário lembrar, inicialmente, que sua criação teve exclusiva motivação eleitoral.
O senador Fernando Henrique Cardoso assumiu o cargo de ministro tendo como "deadline" o mês de março. Nesse mês haverá a desincompatibilização final para as eleições presidenciais. Na ótica dos caciques tucanos –particularmente dos cearenses– FHC deveria juntar um bom cacife, que permitisse ao partido entrar por cima numa eventual negociação com o PMDB.
A equipe econômica convocada pelo ministro demorou a deslanchar. De um lado, por absoluta insuficiência de pessoal. Neste período todo, os trabalhos foram basicamente concentrados nas mãos do economista Edmar Bacha –que é grande, mas não é dois.
De outro, por falta de clareza acerca do diagnóstico do ajuste, a equipe limitou-se a abordar a crise do ângulo estritamente contábil, dentro da falsa concepção de que bastam dois anos de Orçamento equilibrado –independentemente de se alcançar o equilíbrio estrutural– para conquistar a confiança dos agentes econômicos.
O temperamento um tanto difícil de parte dos integrantes da equipe, acabou provocando conflitos de monta com os técnicos da máquina, que boicotaram os trabalhos, através do vazamento sistemático de informações.
Com isto, em seis meses de trabalho, a equipe tinha realizado muito pouco. Não administrou o dia-a-dia, não fez política de preços, não fixou táticas para reduzir o custo da política tarifária sobre os índices de inflação.
No final do ano, já havia se esgotado o prazo para produzir resultados em março. Após seis meses de trabalho, os 40 pontos do Plano de Ação Integrada (que não passava de um arrazoado preparado pelo deputado José Serra durante uma noite, para que o novo ministro tivesse o que apresentar à opinião pública) tinham sido reduzidos a uma proposta orçamentária, sem apelo popular.
A partir daí, recrudesceram as pressões para se adotar as medidas de impacto. André Lara Rezende pulou do barco, por considerar imprudência planos de estabilização em fim de governo. A bola acabou sobrando para Pérsio Arida, que foi desviado da importante função de preparar a privatização com fundos sociais, para bolar a concepção da URV.
Sobre a URV se falará nos próximos dias. Mas é importante que se saliente, que este salto de enorme risco, anunciado pelo ministro da Fazenda, se prendeu a intenções puramente eleitorais.
Filosoficamente cínico, desde o ano passado o deputado Delfim Netto (PPR-SP) garantia que a estratégia de FHC seria esta. Outros, mais ingênuos –como o colunista–, e sem o conhecimento que Delfim acumulou sobre a natureza do homem público, julgavam que o intelectual FHC ambicionasse troféus mais permanentes. Como o reconhecimento da história, por exemplo.
Dançamos.
A auditoria de Quércia
O ex-governador Orestes Quércia informa à coluna que aceitará as recomendações de proceder a uma "revisão das demonstrações financeiras" de suas declarações da pessoa física e das pessoas jurídicas sob seu controle.
Na edição de segunda, observava-se aqui que a análise encomendada a uma empresa de auditoria privada limitava-se a uma "revisão das demonstrações contábeis" de suas declarações –adequadas para demonstrar se o contador trabalhou corretamente, mas insuficiente para dissecar o processo financeiro de crescimento de seu patrimônio.
Após a leitura coluna, aparentemente Quércia convenceu-se de que o trabalho encomendado efetivamente era insuficiente para esclarecer as dúvidas. Tanto que se dispõe a encomendar o levantamento sugerido.
Quércia está em seu papel e demonstra sensibilidade em relação às pressões da opinião pública. A coluna apenas observa que, durante quase 30 dias, este trabalho foi utilizado indevidamente como resposta às indagações sobre a questão financeira, sem sofrer nenhuma espécie de questionamento por parte da empresa que foi paga para prepará-lo.
O papel de uma auditoria é tornar as demonstrações transparentes para o conjunto da sociedade. Ao limitar-se a explicar sua metodologia em linguagem técnica, apenas para iniciados, e não esclarecer o real alcance das análises efetuadas, a empresa de auditoria não se comportou corretamente perante a opinião pública.

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