São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Maria Ewing

CARLOS HEITOR CONY

Maria Ewing
RIO DE JANEIRO - Volta e meia, jornais e revistas comentam que o gênero lírico "renasceu". Francamente, não vou nessa.
Meu pai deixou-me duas heranças malditas: o jornalismo e o gosto por óperas. Tentei me livrar das duas pragas - até hoje não foi possível. Como jornalista, ele tinha acesso às companhias que vinham ao Rio ou que iam para Buenos Aires e aqui faziam escala. Amigo de Nicola Viggiani, dele também herdei a amizade de seu filho, Dante.
Não vou contar vantagem. Pelo contrário, é a desvantagem da idade. Ouvi Gigli, Tagliavini, Del Monaco, Tebaldi, Di Stefano, Rose Bampton (uma wagneriana histórica), Callas, Leonard Waren. Pergunto: um menino de hoje poderia ouvir o que e quem?
Bem, sobram os vídeos para quem não viaja. Indo ao assunto: há um excelente vídeo (importado) do Glyndebourne Festival com a "Carmen" de Bizet. Há muitas carmens no mercado, mas essa é especialíssima pois tem Maria Ewing no papel-título. Atualmente, ela faz sucesso com "As Troianas", de Berlioz, mas é de sua Carmen que desejo falar.
Antes de mais nada, Maria Ewing é uma fêmea. Mistura de Lena Horne num musical da Metro cantando "Honeysucre Rose", de víbora e cabra, retorcida como altar barroco, esguia como coluna gótica. Faz misérias no palco, coloca qualquer outra Carmen no limbo e no nada. Sua dança é das mais sensuais, nos inferninhos do Boulevard de Clichy ou no Quarteirão dos Prazeres, em Hamburgo, não há nada parecido, apesar de todas copularem em cena.
Maria Ewing copula com tudo a que tem direito, voz e corpo, alma e castanholas. Em disco perde a vantagem do visual. Em vídeo é mais estimullante do que essas produções infanto-juvenis feitas para executivos pela "Playboy".
Quando teremos cacife e gosto para ver Maria Ewing no Rio ou em São Paulo? Até lá, continuo achando que em matéria de ópera - como em quase tudo o mais - o Brasil anda para trás na proporção de sua taxa referencial diária.

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