São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994 |
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Um talismã para os cinéfilos
SÉRGIO AUGUSTO
As memórias e ruminações assinadas por Paulo César Saraceni, Anselmo Duarte e David Neves veio juntar-se, em novembro último, uma edição especial da "Revista USP" dedicada ao cinema brasileiro. Há dias, sob os auspícios da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro e de Jorge Zahar Editor, chegou às livrarias o primeiro número da revista "Cinema". Nada a ver com "Set", "Cinemin" e afins. De uma sobriedade elegante, destina-se a um segmento específico de cinéfilos. Não é amena sua leitura, o que não significa que todos os seus textos sejam pesados, de feitio acadêmico, enfadonhos ou esotéricos. Mesmo aqueles que não aguentam tropeçar em Gilles Deleuze, o talismã teórico da moda, hão de encontrar em suas páginas alguma serventia. Sobretudo em dois ensaios: "O Cego às Avessas", de José Carlos Avellar, e "Extracampo e Eleições Afetivas", de Ronald F. Monteiro, tematicamente os mais sedutores. Destacam-se, ainda, um exaustivo "close reading" de "Terra em Transe", executado por Jaime Rodrigues, e uma análise dos filmes de Ana Carolina, feita por Flora Sussekind, que confirmou minha suspeita de que "Mar de Rosas" e "Das Tripas Coração" são obras que só adquirem graça e sentido depois que alguém interpreta os seus jogos de palavras, as suas metáforas e os seus trocadilhos visuais. Sem escólio, sifu. Glauber, junto com Deleuze, é a figura de maior destaque da revista. Além da exegese de Rodrigues, protagoniza um arrazoado sobre teatro & cinema de Gerald Thomas e fornece as bases de sua "estética da fome" a uma meditação de Paulo Halm sobre o conflito barbárie x civilização. Halm preconiza um cinema brasileiro "bárbaro", voltado para os "mistérios" do país e seu povo, a fim de que possamos compreender as razões da "nossa incompetência" e da "nossa incapacidade de acertar". Há uma certa, talvez muita, dose de ingenuidade nessa proposição –como de resto no ideário pauperiforme de Glauber–, mas é ao botar no mesmo saco alhos ("Bye Bye Brasil", "Memórias do Cárcere", "A Marvada Carne") com bugalhos ("O Romance da Empregada", "O Homem da Capa Preta") que Halm entorna o caldo. Mais ou menos em torno dessa dicotomia, José Carlos Avellar põe suas cartas na mesa: um "full hand" de observações inteligentes. Antes ele coloca um ovo em pé, ao juntar numa frase os títulos de dois filmes de Cacá Diegues separados por uma década e um punhado de experiências cinematográficas: "Bye Bye, Brasil; melhores dias virão". Não vieram. "Os dois títulos", escreve Avellar, "formam uma imagem do sentimento que no espaço entre o lançamento do primeiro (1980, em salas de cinema) e do segundo (1990, na televisão), nos levou a saltar (...) da experiência de artistas ambulantes empurrados para a margem pela televisão para experiência de dubladores de filmes americanos de televisão". Para Avellar, nos anos 80 o cinema e os espectadores brasileiros foram vítimas do que poderíamos chamar de síndrome de Marialva, a dubladora interpretada por Marília Pêra em "Melhores Dias Virão", que não quer ser ela própria, mas Mary Shadow, a personagem americana por ela dublada. Primeiro nos despedimos do Brasil miserável, ingrato e aparentemente inviável; depois nos refugiamos na "vontade de sermos estrangeiros". Ou, então, de vivermos vicariamente, como sombras de sombras cinematográficas, como o Molina que recebeu o beijo da mulher-aranha e a dama do cine Shanghai. Entre os que resistiram a esse impulso, Avellar relaciona "Memórias do Cárcere" e "Cabra Marcado Para Morrer". Por acaso ou não, os dois filmes brasileiros mais importantes produzidos depois de "Bye Bye Brasil". ONDE ENCONTRAR: A revista "Cinema" pode ser encomendada à Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, r. Marquês de Olinda, 61 B, bloco 1F, ap. 103, fax 021/245-2780 Texto Anterior: Beth Carvalho exuma pérolas do túmulo do samba em disco Próximo Texto: Hora do lanche; Minhoca Índice |
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