São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Assassinato de jornalista revive terror na Argélia

ROBERT FISK

Assassinatode jornalista revive terrorna Argélia
A sede do partido do xeque Abdallah Djaballah fica numa casa de quatro andares, no alto de um morro em Argel. Parecia ser um lugar apropriado para pedir uma explicação teológica da morte de um jornalista. Olivier Quemener havia sido morto a tiros três horas antes e o xeque Djaballah ouviu em silêncio quando lhe contei sobre o assassinato de nosso amigo, na velha casbá (palácio fortificado).
O xeque e dois assistentes conversaram em voz baixa. "Deus nos traz ao mundo", ele respondeu. "E é Deus quem nos chama de volta." Um longo silêncio se fez, durante o qual ele talvez estivesse refletindo sobre a inadequação de sua resposta. Afinal, não foi Deus quem "chamou" Olivier Quemener enquanto ele filmava a casbá para a TV australiana. Foi um jovem, que deu um tiro em Quemener. Mas o xeque e seus dois auxiliares sorriam, não como quem achasse graça em alguma coisa, mas tampouco com compaixão.
É bom deixar claro que o xeque Djaballah não é nenhum radical. Embora muitos membros da agora proibida Frente Islâmica de Salvação (FIS) pudessem antigamente ser incluídos entre seus companheiros, seu próprio partido, o minúsculo Partido do Renascimento Islâmico, ainda é legal, respeitando os princípios da democracia e insistindo –pelo menos em público- que a Argélia só poderá se tornar uma república islâmica aos poucos, e através do voto popular.
Como, então, explicar o que seria assassinato legítimo? Sob que condições é permissível que um muçulmano mate? Segundo o xeque, seu partido condena a violência "de ambos os lados, seja da oposição ou do governo". "Um muçulmano que mata vai ao inferno, a não ser que tenha matado por uma causa justa." E o que seria uma causa justa? "Existem três condições sob as quais é justo matar um homem. A primeira é a pessoa que matou outra sem razão. A segunda, um muçulmano que mudou de religião e se recusa a retornar. E a terceira, um homem ou mulher que comete adultério, mas com todas as condições especificadas pelo Corão. Mas eu sublinho que esta não é uma decisão individual -o indivíduo não pode arrogar-se o poder de julgar estas coisas. É o sistema judiciário que tem de decidir." O xeque reafirmou que o Islã acredita no Estado como fonte primária da legislação.
Não é exatamente essa a visão da FIS, especialmente não a do Grupo Islâmico Armado (GIA) a quem é geralmente atribuída a culpa pelo levante armado contra o governo argelino, controlado pelos militares. Na quarta-feira passada, uma declaração assinada pelo GIA foi publicada na Alemanha, na qual os militantes repetiram sua exigência de que todos os estrangeiros na Argélia sejam mortos. Os ocidentais não prestaram muita atenção à notícia.
Olivier Quemener não sabia nada sobre estas questões. Ele era casado com uma argelina, cuja família vivia na casbá. E Quemener entrou na casbá. Ele e seu colega jornalista australiano Scott White -gravemente ferido no atentado- imaginaram que estariam em segurança, junto aos familiares. Mas hoje, na Argélia, a família vale menos que o fundamentalismo.
Um dia antes do assassinato de Quemener, um colega meu havia comentado que "já fazem duas semanas que mataram Monique Afri (funcionária francesa, casada com um argelino) e, daqui a pouco, vão querer matar outro estrangeiro". Foi exatamente o que fizeram.

Tradução de Clara Allain

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