São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Dias nervosos virão

O país inicia nesta terça-feira um período decisivo para seu futuro imediato, por mais que o termo "decisivo" já tenha sido usado na história recente. O marco inicial desse momento de intensa atividade político-econômica será a votação, prevista para o dia 8, do Fundo Social de Emergência (FSE), elemento essencial do chamado Plano FHC. O resultado da votação representará o sepultamento do plano, no caso de rejeição, ou o início de sua fase seguinte, a de combate direto à inflação, com enormes reflexos no cenário econômico e político.
Por isso, torna-se conveniente tentar uma análise do que tende a acontecer. Se houver a rejeição, fica relativamente fácil imaginar o desdobramento imediato: Fernando Henrique Cardoso demite-se do Ministério da Fazenda.
Ao rejeitar o FSE, na prática o Congresso estará rejeitando o Plano FHC, o que, como é evidente, torna difícil a permanência do ministro. É também de se imaginar, nesse cenário, que FHC sairá do cargo disparando contra o Congresso, como símbolo da desprestigiada categoria dos "políticos". Se é fácil fazer tais suposições, tudo o mais torna-se extremamente nebuloso. Entre tentar ser o candidato "antipolítico" e ter sucesso nessa empreitada, vai uma distância enorme.
O que parece evidente é que, nessa hipótese, a candidatura FHC nascerá, se chegar a nascer, mais fraca do que se imaginava há dois ou três meses. O desgaste do ministro junto aos setores que influenciam a opinião pública é grande e só deverá aumentar se o seu plano for rejeitado pelo Congresso. Seu enfraquecimento representa igualmente o enfraquecimento do que se chama o centro do arco político-ideológico, o que pode tanto abrir espaço para o surgimento de uma nova candidatura nessa faixa como levar a uma polarização direita-esquerda –tendo a esquerda um candidato já definido (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT) e a direita ainda buscando um nome que possa fazer frente ao do petista e acabar tornando-se o anti-Lula.
O natural é, portanto, que se acelerem, sempre nesse cenário de rejeição do FSE, as conversas, articulações e negociações em busca de uma candidatura alternativa à de Lula, a única que, como demonstram as pesquisas de opinião, se mantém solidamente no panorama eleitoral.
Parte desses movimentos já ficou visível na semana que está terminando. Orestes Quércia (PMDB) autolançou-se candidato à Presidência. Antônio Carlos Magalhães (PFL) e Paulo Maluf (PPR) reiniciaram conversações em torno de uma eventual candidatura única do que se convencionou chamar de setores conservadores. Houve até sinais de que o governador do Ceará, Ciro Gomes, tentaria ser candidato pelo mesmo PSDB de Fernando Henrique.
Todos esses movimentos refletem, de alguma forma, a crise dos partidos políticos brasileiros. Há divergências internas no PMDB, com a disputa entre a seção gaúcha (com destaque para Antônio Britto) e os que apóiam Orestes Quércia, da qual se aproveita o governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, para tentar se colocar como terceira via.
Há divergências até mesmo no PT, como o indica o conflito entre a bancada federal e os setores mais radicais do partido que se opõem à participação na revisão constitucional. A hipótese de candidatura Ciro Gomes divide o PSDB. PFL e PPR também não foram ainda capazes de encontrar nomes com chance de emplacar junto ao eleitorado.
Essa confusão política só demonstra que a sucessão presidencial é um processo em aberto, embora falte pouco tempo até a votação em primeiro turno (pouco mais de sete meses).
Igualmente difícil de analisar é o cenário econômico e eleitoral que nascerá da hipótese inversa, ou seja, da aprovação do FSE na terça-feira ou em qualquer outra data próxima posterior. Se a rejeição do plano provocará uma provável aceleração inflacionária, a sua aprovação pode abrir caminho para a derrubada da inflação.
Aprovada a primeira etapa do Plano FHC, o governo naturalmente partirá para a implementação, em curto prazo, da Unidade Real de Valor (URV), primeiro como novo indexador da economia e, em seguida, como nova moeda. As condições básicas para que a inflação caia seriam, nessa hipótese, mais favoráveis do que as existentes em 1989, ano da eleição presidencial anterior. Primeiro, porque o governo dispõe agora de formidáveis reservas internacionais, acima dos US$ 30 bilhões. Segundo, porque a dívida interna é inferior à de 89 e seus prazos são mais longos, o que retira um pouco de oxigênio do dragão inflacionário.
Além disso, é razoável prever que o governo jogará pesado, também politicamente, para reduzir a inflação e, por extensão, solidificar uma candidatura presidencial nascida de suas fileiras e que, nessa hipótese, provavelmente será a de FHC.
Tanto pelos "handicaps" econômicos como pela decisão política, que pode incluir algum tipo de controle de preços para acelerar o processo de asfixia da inflação, as possibilidades de que ela caia parecem razoáveis. É evidente, no entanto, que debelar a inflação não é tarefa indolor, principalmente se o governo tiver de utilizar juros ainda mais altos como arma antiinflacionária.
A intensidade da dor vai depender, em parte, da maior ou menor urgência do governo na conversão da URV em moeda. Estes dois fenômenos –redução da inflação e eventual queda da atividade econômica– têm inequívocos e contrapostos efeitos eleitorais. Inflação baixa dá prestígio e popularidade ao governo que a derruba. Mas recessão significa impopularidade.
De qualquer forma, se a evolução econômica for favorável, abre-se a perspectiva de o chamado centro do arco político-ideológico ganhar força eleitoral. Em consequência, é igualmente previsível que se privilegie o entendimento em vez de uma polarização direita-esquerda, que seria a hipótese mais provável no caso de rejeição do FSE.
Todo esse complexo emaranhado político, econômico e eleitoral estará, nas suas grandes linhas, definido entre a próxima terça-feira e o início de abril, quando vence o prazo para a desincompatibilização das autoridades do Executivo que quiserem concorrer ao pleito de outubro. Não quer dizer, é óbvio, que todo o quebra-cabeças estará armado, mas as suas peças estarão já mais visíveis. De abril até outubro, aí sim, se fará a armação final, que vai dizer como ficará o Brasil pelos próximos anos.

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