São Paulo, segunda-feira, 7 de fevereiro de 1994
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O pecado mora na república estudantil

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se eu fosse a moçoila que recebe as inscrições dos vestibulandos e vem aquele adolescente de rabo de cavalo, cheio de amor pra dar, me perguntando com safadeza: "Estou perdido com estes papéis. Dá uma ideiazinha. Em que faculdade eu deveria me inscrever?" Eu diria sem titubear: "Vá pra longe, meu filho, bem longe. Você já está grandinho. Chegou a sua hora..."
Os que moram em Campinas deveriam prestar para Uberaba. Os paulistas, para o Rio. Os cariocas, para a USP. Não existe melhor oportunidade de se livrar do chamado seio familiar, com um patrocínio garantido todo começo de mês, na conta bancária da agência do campus.
Adeus "mammy" e "papi", vou me ausentar por alguns anos, sem hora para dormir, acordar, me viciar, sem a voz de comando, sem pátria nem patrão. Meu quarto será da cor que eu sonhar. Depois de quatro ou cinco anos, volto com o documento debaixo do braço.
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Na Febem ou na rua, as relações familiares são reproduzidas na falta de opção. Seguindo a tradição, uma criança que abandona a casa e vai morar na praça vira filho de alguém, ganha irmãos e primos. Tim Maia, uma adolescente enorme que vive na praça da Sé, é "mãe" de sete menores.
Estas relações são criadas pelas próprias crianças. O mesmo não ocorre entre os presos de uma cadeia, que preferem casamentos. Todo xerife tem a sua "mulherzinha" (presos novatos) e vice-versa.
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Por mais pecadora que seja a vida numa república estudantil, o mesmo acontece. Ninguém vira mulherzinha de ninguém, a não ser por opção. Mas estão lá e relendo aquele "Feliz Ano Velho" notei a mãezinha, as irmãzinhas e irmãozinhos.
No caso do livro, o personagem vivia, inicialmente, numa república de seis rapazes. Dois eram mais velhos e cumpriam, conscientemente, o papel de mãe e pai: cozinhavam, faziam as compras, estabeleciam regras, enquanto os outros gastavam o tempo olhando a janela.
Numa segunda república, em que o personagem morava com quatro garotas, Mariuza é chamada de mãezinha e as outras, irmãzinhas. Mariuza é a que tinha carro e senso de responsabilidade. E imaginar que o personagem viajou para longe, mas não largou seus fantasmas...

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